«Somos mais felizes com a liberdade de poder escolher, do que com a melhor escolha que possa ser feita». Bastiat pretendia com esta frase elevar a liberdade de escolha (e de erro) como direito fundamental para o indivíduo (independentemente da qualidade da escolha), em contraponto com uma putativa «escolha certa» normalizada por uma qualquer entidade colectivista, destas que pretendem sempre saber (mais que nós próprios) o que é melhor para a nossa existência.

Para que desde já não restem dúvidas, esta crónica é o reconhecimento da capitulação do pensamento e dos ideais de Rand, Sowell e afins no assunto em questão.

Gostava de conseguir escrever algo sobre a COVID que não tivesse nada a ver com Medicina propriamente dita, e que permitisse a leitura sem um desviar enjoado do olhar, fartos que todos estamos do «vírus coroado» e suas variantes, das medidas e suas consequências, das vacinas, sua origem e suas indicações, da DGS, das capacidades e incapacidades dos hospitais e do SNS, dos testes e dos certificados, dos especialistas, influencers e dos flagelos do negacionismo ou do covidismo, dos números e gráficos de incidência, prevalência e mortalidade.

Não vou conseguir, mas fica a intenção.

Há tempos tentei, e falhei, como outros tentaram e falharam, sensibilizar para a questão de como se podia e devia viver livremente (e responsavelmente) em pandemia, com um novo vírus com as características deste. Exultei a Suécia e a sua coragem por, isolada (para não dizer mais…) do resto do mundo, ter conseguido provar que outro caminho era possível. Com falhas e sem milagres, sendo que estes últimos não existem realisticamente quando surge uma nova doença deste calibre que se adiciona às demais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas sobrestimamos todos (os relativamente poucos que cometemos a imprudência de debater o tema), sem excepção, a importância dos valores da Liberdade na subconsciência dos nossos concidadãos, ao mesmo tempo que subestimamos o populismo fácil do «vai ficar tudo bem» e o poder do natural medo, exponenciado sem vergonha para justificar um redentor intervencionismo que muitas vezes teve tanto de fútil para a realidade dos factos como de prestigiante para os bondosos «interventores». E assim gerou-se o fenómeno tão bem explicado por Gustave Le Bon no seu Psicologia das multidões: «as multidões nunca têm sede de verdade. Perante evidências que lhes desagradam, elas desviam-se, preferindo abraçar o erro, se o erro melhor as seduz. Quem sabe enganá-las é facilmente o seu líder; e quem tenta desiludi-las – no sentido de as desviar da ilusão – será sempre sua vítima». E como ele também acrescentou: «a competência sem autoridade é tão (ou provavelmente até mais) impotente que a autoridade sem competência».

E assim, a Suécia foi a Suécia, e nós fomos como o resto do mundo.

«Os suecos são diferentes» pretendeu-se fazer crer, mais frios, mais distantes, mais sós, são menos por quilómetro quadrado, têm mais camas por habitante, são malucos, o rei está triste, o governo está arrependido, o Tegnell vai ser despedido, o Giesecke está demente. Primeiro: «vão todos sofrer, vão todos morrer». Depois: «deviam ter sofrido e morrido menos que os seus vizinhos». Finalmente: «não interessa que tenham sofrido e morrido tanto ou até menos que quase todos os outros no mundo, teria sido melhor se fosse diferente» (entenda-se: mais igual a nós, que ficámos iguais ou piores).

A verdade é que, no essencial da mensagem que se procurou passar para essa «via alternativa» de viver em pandemia, falhou-se redondamente. A ideia original era simplesmente sugerir a possibilidade de atravessá-la, com o sofrimento e a morte que lhe estariam inexoravelmente associados (aqui ou na Suécia), de uma forma livre e, talvez, menos difícil (como na Suécia). Deixar pelo menos viva essa possibilidade, em tempos necessariamente complicados, ponderando-se a penosidade tanto da doença como das medidas para a combater, e procurando um equilíbrio.

Admitir que se podia, por hipótese, simplesmente dizer aos cidadãos o que deviam fazer para não se infectarem (e aos seus próximos), acreditando que eles não iriam correr inconscientemente para o suicídio colectivo, quais dodós pós-modernos.

Enfim, que era talvez possível e até desejável tratar os cidadãos como adultos, mais concretamente adultos que não são perfeitos idiotas (como bem preconizou, em vão, Giesecke: «people are not stupid»).

Explicou-se que «só» morriam cerca de 0,1 a 0,5% dos infectados (mas isso são 10 000 a 50 000 vidas humanas!), que eram sobretudo os velhos, os gordos e os doentes (não vamos discriminar nas medidas!), que as vacinas eram boas (vamos discriminar quem não se vacina!), que as medidas não mostravam eficácia superior quando aplicadas transversalmente e de forma coerciva como foram (mas «mal não faz»!), que o SNS precisava de melhorar (é o melhor do mundo!), que as outras doenças precisavam de continuar a ser tratadas e que os profissionais de saúde não são de ferro (cobardes, é o pior do mundo!), que a discriminação e a culpabilização não são valores saudáveis para cultivar em Sociedade (quem não está a cumprir? quem não tem passe sanitário? quem me infectou? por culpa de quem é que a escola fechou?), e por aí fora.…

Pois falhou-se, por falta de talento na argumentação, ou até de comparência, e então optou-se por mandar as pessoas para casa, num acto de ciência medieval (ou de «saber secular») que consiste em fecharmo-nos e isolarmo-nos uns dos outros em divisões dos nossos respetivos domicílios, à espera que «o bicho» deixe de se transmitir. Duas semanas era o tempo preconizado, com as recorrentes actualizações de múltiplos desse espaço temporal. Não interessaram consequências mais ou menos previsíveis, mais ou menos possíveis, da paragem da economia, da sociedade, da escola e das universidades, não interessaram crianças e seus traumas, o seu desporto e a sua educação, sedentarismos e obesidades, velhos a viver e a morrer em solidão, doenças mentais a surgir ou a descompensar, miséria a crescer e todos os seus estigmas potenciados intra-muros, contra os elementos do próprio agregado encurralado por decreto, não interessaram doentes a sofrer e a morrer longe dos seus, e famílias sem possibilidade de os enterrar dignamente e fazer o seu luto, não interessou, por fim, que o vírus estivesse apenas à espera do fim dessas «medidas» para, simplesmente, ressurgir.

«É a vida» disseram e continuam a dizer os queques germofóbicos do teletrabalho, do salário certo ao fim do mês e das casas com jardim, e seguiram imparáveis, com aura de bondosos samaritanos, e tristemente vitoriosos na propagação da obediente servidão. O modelo chinês, país onde o vírus desgraçadamente decidiu aparecer, tinha vencido, e o capitalismo, nas suas mimadas e birrentas democracias liberais, nem teve hipóteses de contestar tão pujante demonstração de sucesso (menos a Suécia). Proliferaram ditadores humanitários de chicote em riste, uns democraticamente eleitos, mas uma maioria para os quais ninguém votou, e foram asfixiados, cancelados e perseguidos os raros e insignificantes chalupas que, inconscientemente, se lhes opuseram, ao mesmo tempo que eram declarados culpados de todos os insucessos dos primeiros. Uma fórmula imbatível, alimentada pelos «meios de comunicação da propaganda social».

A retórica não conheceu tréguas, mesmo no confronto com a realidade: as máscaras teriam feito muita falta aos irresponsáveis suecos, mesmo que as suas curvas epidémicas (sem máscaras coercivas) pareçam decalcadas dos outros. O confinamento foi fundamental, mesmo que por lá (sem confinamento coercivo) as coisas se tenham passado igual. Somos os melhores do mundo e os campeões da vacinação, mas não interessa, vamos continuar a coagir e a punir, porque «será pior se não o fizermos».

Sic transit gloria mundi, nesta segunda década do segundo milénio depois de Cristo.

Agora que só nos resta prepararmo-nos para novos liberticídios, numa altura em que ainda nem nos tínhamos desabituado dos antigos, pasmo com esse argumentário de velhas fórmulas que não resultam, mas que se vai renovando.

Já não se trata de defender viver em pandemia com Liberdade, mas bem de viver VACINADOS em pandemia com Liberdade.

Ou seja, a Liberdade passou definitivamente a ser uma generosa e ocasional concessão estatal, um capricho, admissivelmente revogável com base em argumentos (quaisquer) de segurança sanitária.

E faço agora um pequeno parágrafo para esclarecer esta questão das medidas: é evidente que evitarmos aglomerados, restringirmos contactos, recolhermo-nos quando temos sintomas respiratórios e usarmos máscara se tivermos que sair nessas condições, termos uma higiene das mãos cuidada, usarmos máscara em espaços fechados mal ventilados na presença de aglomerados, são tudo medidas que vão diminuir a possibilidade de contrair (e transmitir) o vírus, e logo, de ficarmos doentes.

Tal como não fumar, não beber, fazer exercício, não engordar, ter uma alimentação cuidada, por aí fora, tem efeitos benéficos na prevenção várias patologias.

E tal como, já agora, NÃO É EVIDENTE, nem nunca foi, que alguma vez tenha existido qualquer utilidade em usar máscaras em espaços exteriores, encurtar horários de funcionamento de comércios, ou achar que o vírus se transmite mais na ceia de Natal, no barbeiro ou no restaurante, do que diariamente em apinhados transportes públicos, e outros desvarios que tais bem conhecidos de todos.

Mas não nos desviando da questão: não se trata aqui de discutir eficácia, mas sim LEGITIMIDADE DE IMPOSIÇÃO!

Quando um cidadão fuma não é necessariamente um «negacionista dos efeitos nefastos do tabaco», mas tão só alguém que decide correr um risco para a sua saúde em nome de um vício (e respectivas motivações próprias), que é fumar. Fumar faz mal à saúde, o que não quer dizer que deva ser proibido fumar!

O contra-argumento seguinte é: «mas fumar ou engordar não põe em causa a saúde de terceiros». Pode pôr, se os terceiros decidirem não se precaver e forem fumar passivamente para junto dos fumadores (o que é, aliás, um direito que lhes assiste – ainda), seguirem-lhes o exemplo e decidirem começar a fumar, ou decidirem começar a comer o mesmo que o gordo. Ou, por outro lado: o que impede o cidadão precavido (ou apenas preocupado) com a COVID de evitar frequentar pessoas que recusam usar máscara? Ou de usar ele próprio uma boa máscara na sua presença, até na rua? Ou de vacinar-se? Ou de ficar em casa, ou de só ir a espaços bem ventilados, ou de não ir a restaurantes? O que impede um cidadão qualquer de precaver a sua própria saúde, através do uso das tais medidas, se ele assim entender? Sem coerção para ninguém, apenas informação e liberdade de actuação?

E chegamos então ao argumento último: «mas sobrecarrega os serviços de saúde e a prestação de cuidados ao todo». E sorrio: quantos governantes haverá no mundo, neste momento, a lamentar não terem descoberto antes que podiam seguir uma política de responsabilização dos doentes pela sua incompetência na gestão dos seus serviços de saúde? Era tão fácil, e afinal bem possível! Há lista de espera para fazer uma broncoscopia? A culpa é dos fumadores e dos seus cancros! Há falta de dinheiro para tratamentos inovadores? A culpa é dos gordos sedentários e as suas dispendiosas diabetes! Há tempo de espera para cirurgias? A culpa é da malta que não comeu fibras que chegue e exagerou nas carnes vermelhas!

A imaginação é o limite, e a partir de agora deixará de haver maus serviços de saúde, para passar a haver apenas excelentes serviços de saúde com maus doentes. É que se em Março 2020 pudemos alegar, com alguma propriedade, estar «desprevenidos», em Novembro 2021 (quase dois anos depois!), e pelos mesmos motivos, fica mais difícil! Ou será que não…?

Em suma, a Ciência demonstra, às vezes, o bem e o mal de algumas intervenções, mas não necessariamente a forma como se deve actuar com esse conhecimento! Que o tabaco provoca doença, isso é científico. Que o tabaco deva ser, por esse motivo, proibido, NÃO É científico, é ideológico e deve estar aberto à discussão! Que pessoas fechadas em casa reduz a transmissão da COVID, isso é (paleo-)científico. Que devemos obrigar as pessoas a ficarem fechadas em casa NÃO É científico, é ideológico e deve estar aberto à discussão. E por aí fora.

Ou como disse Thomas Sowell muito melhor (e resumidamente) que eu: «não existem soluções, apenas compromissos». E o compromisso da coexistência com pessoas que não pensam como nós, no respeito da Liberdade deles (para melhor protegermos abusos sobre a nossa noutra altura, e por outros motivos), devia ser um princípio basilar ao qual fôssemos mais apegados, e do qual não abdicássemos tão facilmente na altura de se legislar a favor de uma servidão sanitária.

Mas bem sei que esta conversa já passou do prazo, estes são definitivamente tempos de paternalismo autoritário disfarçado de humanitarismo, de impotência e incompetência disfarçados de resolução e de proactividade, de leis e normas disfarçadas de Justiça, e de dogmas colectivistas disfarçados de Moral e Ciência.

As vacinas, valha-nos isso, são a boa notícia destes tristes tempos: foram desenvolvidas em tempo recorde (e nada indicava que fossem, imaginem só…), têm uma eficácia extraordinária (se não nos remetermos aos maluquinhos que achavam que o vírus ia com elas desaparecer das nossas vidas como por magia), têm efeitos secundários insignificantes (indicações discutíveis à parte, nomeadamente em populações para as quais o vírus nunca constituiu problema), e tiveram uma adesão fabulosa, bem sei que não por virtuosas razões, mas pronto, pelo menos que o cagaço pandémico tão regado e adubado pelas nossas autoritárias autoridades de Saúde tenha servido para favorecer esse real bem («escrever direito… »). A verdade é que não existem, nem de perto e à data de hoje, outros game-changers para este problema como essas moléculas que nos foram injectando ao longo do ano.

Por outro lado, pasmo vendo que nos preparamos para reciclar a loucura, após curioso período de extremo pudor em tornar essa intervenção realmente eficaz (a vacina) com cariz obrigatório.

Não me interpretem mal, não existe aí nenhuma «incongruência liberal» deste vosso convertido: não sou adepto de obrigatoriedades nem de coacção prepotente, nem sequer para a vacinação (que é um bem cientificamente demonstrado, ainda que essa expressão esteja pelas ruas da amargura), e continuo a acreditar que cidadãos não são gado, tendo direito à informação e ao consentimento informado, à ignorância, à indiferença e à escolha errada (uma postura estranhamente revolucionária, nos tempos que correm).

Mas tentando meter-me na lógica colectivista dos pastores de rebanhos que nos governam, não teria sido mais lógico vacinarem coercivamente a manada, medida indiscutivelmente eficaz para a doença, em vez de depois se apressarem em coagi-la a isolar-se, a mascarar-se e tudo mais que se lembrarem fazer com o que julgávamos serem nossos direitos, sumariamente revogados? A que se deveu o estranho «ímpeto liberal» relativamente às vacinas por parte dos nossos «tutores»? Não daria inclusive «menos trabalho» (até porque, graças ao pater G. de Melo, faltam tão poucos para vacinar)?

Já que não quiseram investir num SNS eficaz e resiliente face à nova realidade desta doença (daria trabalho e exigiria competência…), com a necessária adaptação e restruturação dos serviços de saúde, com uma coordenação que como bem se viu não existia (e continua provavelmente a não existir), porque não, pelo menos, vacinar todos os adultos que dela possam padecer?

Já que desistiram, desde o início, da simples ideia de transmitir às pessoas eficazmente a informação sobre as medidas essenciais, permitindo-lhes que as adaptassem à sua realidade pessoal, após análise das variáveis que lhes são próprias, sem intervencionismo transversal coercivo, inconsequente ou até contraproducente, e sem essa espécie de pastorícia em que se tornou a nossa política sanitária, porquê, chegada a vacina, o surgimento desse «prurido liberal»?

Má sina a nossa que, tendo o vírus aparecido na China, a vacina não tenha. Liberticídio por liberticídio, já agora que fosse um com verdadeiro impacto na nossa saúde, e que fizesse valer a pena (o pouco que fosse) a conversão forçada à condição de gado!

Mas não esqueçamos o essencial, e que foi abertura da modesta prosa: esta batalha está perdida, a multidão foi arrebanhada por outros argumentos, securitários, que culpabilizam e infantilizam terceiros, que louvam a denúncia e perseguem o individualismo, e que o passado mostra serem bem mais sedutores para as maiorias que nos rodeiam, mesmo apesar das suas trágicas consequências (lá dizia Hegel: «a coisa mais importante que aprendemos com a História, é que não se aprende nada com a História»). Rematando com o bom do Le Bon: «a idade moderna representa o triunfo da mediocridade colectiva», e «há que revoltar-se ou adaptar-se, pois não existe outra alternativa na vida». Já vamos tarde, nesta questão, para revoltas, e será o factor-tempo a repôr o comboio nos carris.

Até lá, pois adaptemo-nos. Mas que nos sirva de lição para o ecolo-greto-comunismo defensor da «involução económica» que aí vem (com a sua versão mais recente de ideal de «homem novo», que nos faz recuar na linhagem evolutiva humana para mais próximo dos nossos primos neandertais), e para os fascisto-wokistas emergentes (e outras corporações radicais minoritárias que tais), com as suas tentativas de restringir as liberdades individuais de cada um de nós em nome dos seus unicórnios mais ou menos delirantes, e cujos ímpetos totalitaristas não interessa mesmo nada generalizar a seres que pensam e que legitimamente perseguem, nos seus próprios termos e segundo os seus próprios valores, a sua felicidade e a dos seus próximos.

A pedagogia do Liberalismo (enquanto ideologia e filosofia de vida, e venha de onde vier) não pode ser adiada, e deve assumir a gravidade do presente para estar à altura dos acontecimentos. Sem hesitações, e implacável segundo os seus nobres princípios contra todas as formas de colectivismo (seja ele de maiorias, seja de minorias organizadas), que nos menorizam enquanto seres humanos livres e independentes, e nada mais têm para nos oferecer que um futuro certo de servidão, infelicidade e miséria.

Já vem tarde para a pandemia, mas que pelo menos chegue a tempo para o resto…