Disclaimer: sou membro da IL, fui apoiante e subscritor da moção nº 1 discutida na convenção anterior, tendo sido ainda candidato (e, obviamente, apoiante) pela lista B nesta.

Começo desta forma a exposição para facilitar a vida aos muitos que avaliam as pessoas por processos de intenção e insinuações de carácter. Podem assim escusar-se desde já de continuar a ler.

Fora isso, sou um profissional liberal a trabalhar no estrangeiro sem qualquer ambição (ou até possibilidade) de me envolver mais na actividade partidária, para além dessas meras participações superficiais, por mero «romantismo» de querer ver o Liberalismo singrar na sociedade portuguesa (e no mundo em geral). Não sou um homem de letras, de Ciências Sociais ou Políticas, e por isso o conhecimento em toda esta matéria é apenas obtido a título de curiosidade e passatempo.

O que me motiva, in fine, é lutar contra a endoutrinação feita desde o berço acerca da inevitabilidade e dos putativos benefícios deste nosso colectivismo de gestão estatal, seja com argumentários «sociais» ou «de classe», «místicas ou religiosas», «indentitárias», «climáticas», «sanitárias» ou quaisquer outras, no fundo meros instrumentos para a implementação de um estado de servidão voluntária aos indivíduos por parte de Estados cada vez mais autoritários. Lutar contra o «altruísmo sacrificial» de toda uma sociedade de cidadãos pouco livres a pretexto de um dito «contrato social» que ninguém subscreveu, e que só alimenta a partidocracia sedimentada nos diferentes órgãos que nos controlam, devidamente manipulada por uma plutocracia que, obviamente, se instalou por forma a servir-se desta realidade que é a nossa.

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O Liberalismo, mais do que um « livro de receitas económico » para a prosperidade (que também o é, tema abundantemente explorado pela IL desde a sua criação, constituindo a sua bandeira política primordial), é sobretudo, como dizia a romancista e filósofa de quem todos os liberais gostam, «uma Filosofia para viver nesta Terra»: explica quais são os direitos naturais (fundamentais) de qualquer indivíduo, e porquê (já que isso de clamar por «direitos» diversos chegou a níveis de paródia), e que se resumem a três: o direito à vida (auto-explicativo), o direito à propriedade privada (no sentido de ser essencial à subsistência, e logo também à vida), e o direito a viver segundo os seus próprios critérios e em Liberdade (como único veículo de se poder viver em felicidade). E não, essa Liberdade não é «com responsabilidade», nem é para ser «controlada», crónicos argumentos de quem com eles a pretendem limitar: é isso sim para ser «de todos», estando desde logo implícitas todas as necessárias «moderações». Quando se fala em «individualismo», é referente à premência do «indivíduo», e não à natural condição social de qualquer homem ou mulher, e que nunca precisou de decretos para ser realidade desde o início dos tempos. E quando se fala em «egoísmo», o «racional» não é de todo referente a qualquer vontade de «querer para si o que é dos outros», mas tão só à condição pessoal («egoísta») e intransmissível do sentimento de felicidade, como pilar de uma Ética básica da epistemologia metafísica (isto é, interpretação de uma realidade objectiva através da razão), magistralmente descrita no Objectivismo randiano, depois continuamente desenvolvido e aperfeiçoado por vários outros. Em miúdos, para os que ainda não mergulharam nesses conceitos: é claro que o egoísta racional sente felicidade (sentimento pessoal e intransmissível) por ajudar voluntariamente (e movido por esse «egoísmo») terceiros com os quais se importa (familiares, amigos, desfavorecidos, seja o que for…). Mas a felicidade é sempre um sentimento de origem pessoal («egoísta»), que advém da própria percepção e conceptualização de um determinado acto ou condição, e não forçosamente da percepção e conceptualização de terceiros (sendo esta última a base de propaganda de qualquer colectivismo).

Daí extrapola-se o tal «livro de receitas económico», que resulta e leva de facto à prosperidade: de um pool de gente livre resultam as melhores soluções, permitindo-se que os melhores singrem e levem por arrasto os restantes para uma maior prosperidade global, as transacções são livres e para mútuo benefício («não existem soluções, apenas compromissos»), a violência é intolerável e deve ser mediada através da interpretação dos preceitos dos direitos naturais para cada caso, enfim, o Mercado deve ser livre para levar ao maior desenvolvimento, prosperidade e qualidade de vida do conjunto de indivíduos que constituem uma sociedade.

Ou seja: em sociedades livres, ou «liberais» (segundo esses preceitos, já que essa terminologia também é usada para tudo e seu contrário), é-se cada vez mais próspero, cada vez mais feliz, fazem-se cada vez menos guerras, polui-se cada vez menos, e por aí fora. E é no respeito tolerante da condição essencial da diversidade de vontades de todos os indivíduos, ou seja da própria condição humana, que se demonstra que esta Filosofia resulta e é verdadeira.

Claro que nem é perfeita, nem pretende levar a quaisquer delírios de perfeição futura. No fundo: é «humana», sem querer forçar a transformação de humanos. E claro que tudo isto está exposto em detalhe, nos mais variados pontos (e alguns dos quais bem «controversos»), por uma miríade de fabulosos pensadores que estão à disposição de quem quiser aprofundar esta maravilhosa temática e desafiar bafientos conceitos entranhados: de Locke a Bastiat e Tocqueville, passando por Mises e Hayek, por Rand, Friedman, Sowell, Rothbard e Hoppe, entre tantos, tantos outros, «clássicos» ou contemporâneos.

Finalmente, e passando ao objecto do artigo propriamente dito (após uma longa mas necessária exposição do pensamento subjacente): o que raio se passa nessas convenções da IL, nas quais esta mensagem parece ela própria ser susceptível de gerar tanta hostilidade e repulsa, e por parte de tantos?

Através do zoom assisti pois, há duas convenções atrás, a acusações de pretenso «negacionismo» (da COVID, vacinal e da «Ciência» em geral) relativamente à tal moção nº 1, com muita indignação e condenação (e demais folclore acompanhante) pelo meio. Na condição de médico de Cuidados Intensivos em actividade ininterrupta num dos «olhos de furacão» da pandemia que nos assolou, que ajudou a salvar muitas vidas atingidas pela doença e que assinou demasiadas certidões de óbito em consequência da mesma, não pude deixar de sorrir com a insinuação dessa «negação da doença» e suas consequências. Na condição de defensor de todas as vacinas comprovadamente benéficas para os doentes, anualmente vacinado para a gripe desde sempre (isto é, antes de estar «na moda») e quádruplo-vacinado contra a COVID, continuei a sorrir.

O que já não dá tantos motivos para sorrisos é quando se constata que não se percebe a diferença, num congresso de «liberais» (isto é, que deviam, pelo menos, estar minimamente sensíveis aos preceitos definidos supra), entre «factos científicos» por um lado, e a legitimidade para se restringirem liberdades em função dos ditos «factos» por outro (e isso sem sequer entrar no debate do que consideramos serem esses «factos»). E poucos, demasiado poucos o perceberam, e logo num dos raros locais onde se esperava que não fosse o caso, onde se esperava que os perigos da justificação fácil da perda de liberdades dos indivíduos fosse levada a sério (e não como mero fenómeno passageiro, o qual, já agora, está em vias de figurar na própria Constituição da República um dia desses…).

Desta vez, domingo passado, acusaram-se liberais da minha lista (ditos «clássicos», seja lá o que isso for), daqueles bem defensores da igualdade dos tais direitos naturais para TODOS os indivíduos, de «fobias» diversas, com direito a energéticas palmadas no peito em broches com arco-íris portados à lapela, em sintonia com berraria sem sentido mais ou menos ritmada a lamentáveis palmas da audiência. Mais uma vez: será preciso explicar, num congresso de liberais, que «todos os indivíduos» incluem aqueles que têm esses broches? E os representados por esses broches? Bem como todos os que não têm e não estão representados pelos broches? Que «todos os indivíduos» não distingue o que existe (ou deixa de existir) nas cuecas de cada um? Não impede que cada qual se identifique com um homem, uma mulher ou até um aspirador? Não tem qualquer interesse com quem (ou com o quê) cada qual gosta de ter (ou deixar de ter) relações sexuais? Não distingue tonalidades de pele ou países de origem? Ou será antes que, num congresso de liberais, alguns não pretendem verdadeiramente a igualdade de direitos naturais para TODOS os indivíduos? Ou pretendem que o uso de um broche qualquer da moda confira alguma espécie de «maior igualdade» orwelliana? Será que para esses «liberais» o wokismo, portanto reconhecidamente iliberal e anti-universalista (e nem sequer vou debater isso aqui…), não é considerado uma das muitas ameaças existentes à igualdade de direitos e às liberdades do indivíduo na actualidade (concedo que provavelmente não das piores, dada a desgraçada situação social-colectivista em que nos encontramos…)? Que esse wokismo não merece condenação, mais as Teorias Críticas que o carregam, para nem falar do insuportável chinfrim em torno das tentativas de apropriação da nossa própria linguagem? Ou será tudo (paradoxal) encenação, para mera sinalização fácil e gratuita de virtude, à custa da difamação e da mentira?

Por fim, as acusações de «conservadorismo» (um must), logo travestidas por alguns excitados naquilo que eles devem considerar ser sinónimos: «fascismo», «extrema direita», etc…, enfim, digno de qualquer bloquista com falta de imaginação. E para logo depois alguns assumirem-se defensores de «progressismo» (?). O que me leva a voltar a perguntar: é preciso explicar, num congresso de liberais, que é possível respeitarem-se os costumes da maioria («les moeurs», como dizem deliciosamente os francófonos), ao mesmo tempo que se admite a sua evolução? Que os costumes de terceiros podem ser merecedores de humilde tolerância, mesmo no caso deles discordarmos? Que é admissível achar-se que o progresso, aliás intrinsecamente associado ao Liberalismo mais do que a qualquer outra Filosofia política ao longo da História, deve ser uma consequência, e não uma «causa»?

Dito isto, das duas uma: ou a IL está a agregar, no seu crescimento exponencial, tendências perigosamente iliberais e intolerantes no seu seio, o que seria pena, por desvirtuar a própria denominação do partido e afastar quem se revê no Liberalismo aqui descrito. Ou então, hipótese menos má, existe ali um conjunto significativo de pessoas que, sendo profundamente ignorantes acerca do que é o Liberalismo, não se coíbem de falar em plena convenção (e com muito pouca educação) sobre o que (e quem) não conhecem.

Importa ainda fazer um evidente mea culpa, admitindo-se a segunda hipótese (de «ignorância»): provavelmente temos que repensar a nossa forma de comunicar nessas convenções, e ser mais explicativos (o que não é cil) naquilo que nos pareciam portanto ser as bases essenciais da Filosofia liberal, mas que se calhar não estão na mente da maioria naquelas salas, ao contrário do que, por eventual erro de cálculo, sempre assumimos.

Caso se trate da primeira hipótese, pois só nos resta mesmo a porta da rua, que também é serventia dessa casa.

Fica assim também explicada grande parte da turbulência verificada naquelas convenções, e que depois aparece, com alguma perplexidade dos observadores externos, na comunicação social.