Afinal, estamos sempre “ligados”. Com tecnologia sempre mais capaz de nos dar mais coisas, mais depressa, mais em cima da hora e de forma sempre mais fácil. Desde os órgãos de comunicação a outras fontes digitais de informação e às redes sociais que “despejam” notícias e novidades a uma velocidade estonteante, diante das quais alimentamos a sensação de não perdermos coisa nenhuma do que se passa, seja aonde for que ela se dê. Será a nossa curiosidade insaciável, ou este furor viral que nos leva a estarmos sempre “ligados” será, antes, uma coscuvilhice urbana, muito próxima de uma dependência com níveis de toxicidade alarmantes, que em vez de nos manter “ligados” nos torna “agarrados”? Onde ficam a palavra ou o silêncio, a liberdade de estarmos na lua e de apanharmos coisas no ar, o desafio de se estar pensativo ou onde param as vezes em que dizemos “eureka” e se faz luz quando, do nada, temos uma ideia? Onde fica a “conversa mole”, a capacidade de fazer pontes, de conhecer outra pessoa e de a desfrutar, quando vivemos dominados por motores de busca que nos trazem um mundo muito mais adequado ao nosso perfil e à altura dos nossos olhos do que nos levam até à diferença de onde se descobrem lugares mais altos e se vê mais longe?

Há uma diferença entre a “cabeça no ar” das pessoas intuitivas, a distracção daquelas que se agitam para não sentir e a forma como se vive numa hiper-estimulação da atenção e da novidade e, à conta disso, nos desligamos de quase tudo. É verdade que satura a forma como se fala dos défices de atenção das crianças. Mas verdadeiramente alarmante é o modo como, de tanto estarmos sempre “ligados”, nos desligamos. Os défices de atenção criam pesssoas desatentas. A atenção em excesso pessoas desligadas. Os défices de atenção criam pessoas agitadas. O excesso de atenção pessoas indiferentes. Como podemos fazer pontes e parcerias, sermos empáticos e seremos humanos vivendo desligados uns dos outros?… Quanto mais a atenção nos consome mais a alma se definha. Vivemos cansados. Dispersamos a atenção. Espreitamos as coisas mais do que pensamos com elas. Vivemos fazendo cliques e “a carregar no botão”. Como se não pudéssemos perder tempo por mais que façamos isso o tempo todo, sempre que saltitamos de estímulo em estímulo. O tempo que é necessário para contemplar, para admirar, para o espanto ou para construir uma dúvida é, rapidamente, consumido por outro estímulo qualquer. Pode alguém que viva apressado e disperso ter uma ideia daquilo que quer e dar tempo ao tempo para construir o desassossego? Como não havemos de viver em estados de pânico subliminar se alimentamos, segundo a segundo, a veleidade de controlarmos tudo e mais alguma coisa, vivendo o que é imprevisível muito mais como uma ameaça do que como uma oportunidade para sermos expeditos?

Criou-se a ideia que seremos multifunções para alimentar esta veleidade de sermos capazes de estar todos ligados sem perdermos pitada daquilo que se passa. E, a propósito disso, dá-se como exemplo os adolescentes que estudam, ouvem música, navegam na net, estão ligados às redes sociais, socializam-se e jogam; tudo ao mesmo tempo, sem quase se mexerem. Mas o que havemos de dizer dos pais deles quando, enquanto trabalham, espreitam os mails, têm as mensagens em dia, respondem em grupos de WhatsApp ou põem likes no Facebook? O excesso de atenção alimenta a superficialidade e talvez seja por aí que ela nos desliga. Como podemos ser mais superficiais e estar ligados?… Quanto mais desligados menos amáveis. Quanto mais desligados mais indiferentes. A forma como nos desligamos faz-nos pouco hospitaleiros. Torna-nos, antes, hospedeiros para as coisas que chamam a atenção. Vivemos dependentes da forma como nos chamam a atenção mais do que nós próprios chamamos a atenção para aquilo que entendemos serem os argumentos com que se faz argamassa que nos liga. Mais depressa aquilo que nos desliga nos leva ao tédio que o excesso de atenção nos participa com entusiasmo.

Num mundo de pessoas desligadas, falamos da diferença como aquilo que nos torna novos aos olhos uns dos outros e nos faz ter a atenção fugaz com que precisamos sempre de outra novidade para nos interessarmos quase sem nos interpelarmos. Como podemos viver numa tirania do que é positivo se são as contradições humanas, os nãos de cada sim, as dores antes da luz, ou as sombras que avivam as silhuetas que nos perscrutam e do escuro nos encaminham para a luz? Na verdade, queremos ser diferentes sem nos procurarmos em nós próprios. Preferimos, cada vez, imogis à palavra. No resto do tempo, expomos. Mas expor e comunicar não são bem a mesma coisa. Expor é mostrar; é tornar visível; é exibir. Comunicar, para além de tudo o que se dá,  é descobrir o invisível.

Estarmos sempre “ligados” é uma forma de nos desligarmos de tudo com a sensação de que nada nos foge. Desligamo-nos, todos os dias, mais um bocadinho. Vivemos desligados uns dos outros. Vivemos desligados dos pequenos gestos que tornam tudo mais importante. Vivemos desligados do passado e do futuro. Vivemos sempre “ligados”; mas cada vez mais desligados daquilo que nos liga à vida, às pessoas e ao que temos cá dentro. Vendo bem, aquilo que nos faz mal são tantas ligações perigosas.

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