A lei de arrendamento urbano de 2012 não teve sequer as melhores origens: reflectiu apenas a ideia da troika de penalizar a propriedade e favorecer o aluguer, como meio de limitar o endividamento das famílias. Mas mesmo assim, foi provavelmente a maior medida de renovação urbana desde o marquês de Pombal. Depois de décadas de congelamento de rendas, começou a haver investimento na recuperação de prédios no centro de Lisboa e voltou a haver casas para alugar.

Em Portugal, porém, tudo o que diz respeito à habitação tem de correr mal, mesmo quando corre bem. Por coincidência, a partir de 2013-2014, os centros históricos de Lisboa e do Porto tornaram-se os Algarves de um novo turismo. De repente, as agências imobiliárias passaram a anunciar em inglês, e como a oferta nos velhos bairros é ainda pouca, os preços subiram. A situação está confinada a umas quantas freguesias. Mas tanto bastou para os especuladores políticos voltarem ao palco com as suas velhas banhas da cobra.

Desde 1910, nenhum regime político resistiu aos congelamentos das rendas. Houve-os em 1910-1914, em 1943, em 1974. Pareceu sempre um meio expedito de angariar popularidade. Em vez de construírem bairros sociais, os governos acharam mais fácil tornar a cidade um enorme bairro social, à custa dos proprietários. O que não impediu que a era das rendas congeladas fosse também a grande época dos bairros de lata em Lisboa. E como os congelamentos coincidiram com períodos de inflação, criaram por fim a curiosa figura do senhorio pobre de inquilinos ricos.

Houve sempre, no meio deste processo, descongelamentos parciais, que serviram sobretudo para aumentar a complexidade legal. A partir de 1990, entrou-se numa dessas fases. Mas então já a procura e o investimento se orientavam para a aquisição a crédito de casas nos subúrbios. O congelamento, reforçado pela dificuldade de despejo, ajudou assim a fazer de muitos bairros do centro de Lisboa sítios tão envelhecidos e abandonados como algumas aldeias das serras da Beira.

Enquanto Roma ardia, Nero tocava lira. Em Lisboa, enquanto os prédios eram entaipados e caíam, a oligarquia política divertia-se com “planos de reabilitação”. Deram sempre em nada. A lei das rendas de 2012 fez mais pela reabilitação do que todos os “planos” juntos. Neste ponto da discussão, é costume proclamar: acima do mercado, estão as pessoas. Mas as pessoas são o mercado, que consiste nas relações entre quem investe e quem procura habitação. Foram essas relações que a arbitrariedade do Estado transtornou, sempre com maus resultados.

Há histórias para todos os gostos. A história do jovem que agora não arranja casa no centro de Lisboa porque os franceses alugam tudo, é tão dramática como a história do jovem que outrora não arranjava casa no centro de Lisboa porque os prédios estavam a cair e não havia casas para alugar. O importante é isto: nos últimos anos, começou-se a criar um mercado de arrendamento. Esse mercado é ainda incipiente, não funciona para todos, e está a ser perturbado, em áreas limitadas, por uma procura inesperada. Mas concedam-lhe uma oportunidade para amadurecer e equilibrar-se. Há problemas? Não façam mais leis, criem apoios. Se for verdade que a Câmara Municipal de Lisboa tem “1600 casas de habitação social fechadas”, muitas delas “emparedadas”, podem começar por aí. Porque um novo congelamento, seja qual for a sua forma e alcance, só pode ter os mesmos efeitos funestos dos anteriores.

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