Recentemente, a Ordem dos Médicos e o Ministério da Saúde assinaram um protocolo que vai permitir,a toda a população portuguesa, o acesso a quatro plataformas de informação científica internacional. O benefício deste protocolo para os profissionais de saúde é indiscutível, sendo louvável o investimento realizado em prol da formação profissional contínua. A celeuma instalou-se na questão do “acesso a toda a população”, com uns a defender os riscos associados ao livre acesso de informação, e outros a argumentar os benefícios da informação de qualidade. Importa, portanto, discutir a literacia em saúde.
De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), literacia em saúde é o conjunto de competências que determinam a motivação e a capacidade de indivíduos terem acesso, compreenderem e usarem a informação de forma a promoverem uma vida saudável. Este conceito é uma preocupação atual. Existem, aliás, vários estudos disponíveis na literatura que concluíram que os doentes com baixos níveis de literacia têm maiores taxas de hospitalização, mais idas à urgência, maior mortalidade, menor taxa de participação em rastreios e maior gasto económico em cuidados médicos.
Deste modo, a literacia em saúde é uma ferramenta crucial de capacitação da população. Cidadãos mais informados gerem melhor a sua saúde e fazem uso adequado da informação que lhes é fornecida para um benefício pessoal e social. Infelizmente, o nível mundial de literacia em saúde é baixo, e Portugal não é uma exceção. De acordo com o relatório “Literacia em Saúde em Portugal”, publicado em 2016 pela Fundação Calouste Gulbenkian, 49% da população portuguesa apresentava níveis de literacia em saúde inadequados ou problemáticos, o que está abaixo do panorama na restante União Europeia.
Então, queremos doentes informados? Sim, mas bem informados!
Nos dias de hoje, informações sobre a saúde multiplicam-se pela internet, sem qualquer controlo no que diz respeito ao seu conteúdo e respetiva qualidade. O famoso Dr. Google (quem nunca o consultou para uma opinião rápida?) condicionou uma alteração da relação entre médicos e doentes, nuns casos para melhor, facilitando a comunicação, mas noutros para pior. É agora frequente que os doentes se apresentem com ideias preconcebidas, nem sempre benéficas ou corretas.
Mas como será que podemos melhorar o conhecimento sobre saúde?
O conceito da literacia médica não se esgota nas plataformas de informação. O enfoque deve ser dado numa melhoria da comunicação médica e na abertura para o esclarecimento. Também são importantes, neste caminho, as campanhas, ações de formação e o papel das escolas. Um estudo norte-americano do Institute of Medicine National Academics refere que metade das pessoas têm dificuldade em entender a informação médica, quiçá devido ao modo como esta lhes é transmitida.
Claro, nem tudo é assim tão linear. Põe-se a questão: será que demasiada informação pode ser mais prejudicial do que benéfica? Um estudo publicado no “An International Journal of Medicine” revela que nove em cada dez doentes pretende ter o máximo de informação possível. Às vezes, são os próprios médicos que não estão completamente convencidos disto. Seremos ainda demasiado paternalistas? Muitos médicos acham-se no dever de proteger os seus doentes de informações que consideram preocupantes ou desagradáveis. No entanto, não está provado o benefício desta atitude. Um outro argumento é o do receio que os doentes se autodiagnostiquem, o que irá certamente conduzir a muitos diagnósticos incorretos e a ansiedade evitável. E depois, é necessário também dizê-lo, a pressão da vida diária nos cuidados de saúde, o número de utentes e o pouco tempo disponível para cada um deles, torna impossível a dedicação necessária para um diálogo completo e esclarecedor.
Em conclusão, as plataformas de informação a que teremos acesso a partir de Janeiro de 2019 são uma ótima notícia. Cada uma destas plataformas tem uma secção que se destina ao doente, numa linguagem simples e acessível, e acredito que deve ser preferencialmente esta a ser disponibilizada para a população geral. Um cidadão bem informado, com acesso a ferramentas que veiculam essa informação, é benéfico para toda a população portuguesa e preferível a um doente que se vê forçado a procurar resposta às suas dúvidas em locais de credibilidade discutível.
Catarina Reis de Carvalho tem 29 anos e é médica. Paralelamente, é assistente convidada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Pertence ainda à Ordem dos Médicos e ao Conselho Nacional de Médicos Internos. Juntou-se aos Global Shapers Lisbon em 2017.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes. Irão partilhar a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers.