Esta semana, no jantar de aniversário dos 50 anos do PS, Felipe González ficou sentado à esquerda de António Costa. Há aqui uma história interessante. No primeiro congresso do partido, em Dezembro de 1974, Mário Soares estava a ser ameaçado pela ala radical do PS. Dias antes, Vítor Cunha Rego, que ele encarregara de organizar o Congresso e que, por isso, percorreu o país a falar com as estruturas locais e com os militantes, voltou a Lisboa sobressaltado: “Está tudo perdido. Há gente organizada para tomar o PS de assalto por dentro.”

No primeiro dia do Congresso, como contou mais tarde a Maria João Avillez no seu livro-entrevista, Mário Soares entrou na Aula Magna aos empurrões e foi mesmo forçado a identificar-se à porta, numa tentativa de intimidação. Lá dentro, havia homens armados. Como sempre, Soares não se assustou com aquilo que descreveu como “uma situação delicadíssima”.

Para travar os radicais de esquerda no partido, que tinham o incentivo do PCP, Soares contava com ajuda do estrangeiro. Além de ter convidado o líder do PSOE, Felipe González, recebeu também em Lisboa Santiago Carrillo. A estratégia era simples: se o secretário-geral do Partido Comunista espanhol o apoiasse publicamente isso impedia que os adversários internos o acusassem de ser um lacaio da direita. Isso obrigou-o a tomar uma decisão difícil. Como havia demasiadas pessoas inscritas para falar, pediu a Santiago Carrillo que discursasse e a Felipe González que ficasse em silêncio. Furibundo, o líder do PSOE abandonou o Congresso mais cedo, mas antes atirou a Soares: “Pois é, os comunistas dos outros são sempre melhores do que os nossos”.

Agora, quase 50 anos depois, Felipe González fez as pazes com o PS e ficou no jantar com Costa até ao fim — mas o PS continua a procurar equilíbrios impossíveis. Colocando-se numa trapalhada diplomática escusada, os socialistas acabaram por misturar a visita de Lula da Silva a Portugal com as comemorações do 25 de Abril. Uma situação que já era má tornou-se pior com as declarações do Presidente brasileiro sobre a guerra na Ucrânia.

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Nos últimos dias, Lula da Silva tem andado a exibir-se pelo planeta a replicar os argumentos de Vladimir Putin, a receber o ministro dos Negócios Estrangeiros russo e a sorrir para as câmaras. Há razões conhecidas para isso: o Brasil quer há décadas liderar um bloco de países “não alinhados” para se apresentar ao mundo como uma grande potência. Para acelerar isso, pretende que o levem a sério como potencial mediador do conflito.

A megalomania do Presidente Lula só diz respeito aos brasileiros, excepto quando acaba por contaminar o debate político em Portugal. É o que está a acontecer. Quando Lula diz o que diz e defende o que defende, empresta legitimidade e força àqueles que simpatizam com a causa russa; e introduz a dúvida e a incerteza naqueles que o veem como um líder da verdadeira esquerda. Há dias, ouvimos Jamila Madeira a defender, enquanto porta-voz do PS, que é necessário “tentar procurar o mais possível que, no quadro mundial, se retome a premissa da paz”. Trata-se de uma falácia amplificada diariamente por Lula: é falso que todas as guerras terminem com uma negociação de paz que implique cedências de ambas as partes. A Segunda Guerra Mundial, por exemplo, acabou com uma rendição incondicional; a guerra do Vietname acabou com um abandono. A História mostra que a paz pode chegar por uma vitória e não por um acordo.

No meio do tumulto internacional provocado pelo Presidente do Brasil, estamos assim: por vontade do PS, no dia 25 de Abril vamos ter Lula da Silva a discursar no Parlamento português. É como dizia Felipe González: os putinistas dos outros são sempre melhores do que os nossos.