Foi quase há um ano que se detetou o primeiro caso positivo de SARS-CoV-2 em Portugal. Neste ano tivemos um primeiro confinamento, um Outono complicado, um Natal e uma passagem de ano que se revelaram de excessos, com dois longos meses de nefastas consequências, que nos impuseram novo confinamento.

Fruto das restrições e sacrifícios de todos nós, esta vaga da pandemia está finalmente a acalmar, mas não é momento para baixar a guarda. É, sim, altura para pensarmos no que aconteceu e ponderar as consequências. Refletir no que correu bem e no tanto que correu mal. O que se deve fazer para evitar novos erros e promover, consolidar e melhorar o que correu bem.

O nosso Serviço Nacional de Saúde atravessou o seu período mais negro e apesar de tantas situações extremas, críticas ao ponto de rotura de serviços, conseguiu aguentar esta terrível terceira vaga. Mas isso foi feito à custa do sacrifício pessoal de muitos profissionais de saúde. Médicos, enfermeiros, farmacêuticos e todo o pessoal auxiliar e complementar que fizeram incontáveis horas extra, sem férias ou folgas, que viveram afastados da família e amigos.

Por isso, agora que vai chegar a “bazuca europeia” (o plano do Governo está neste momento em consulta publica), será insultuoso para o sacrifício destes profissionais se não for feito um forte investimento no SNS, tanto a nível material como de recursos humanos, ampliando a oferta e a cobertura, aumentando e diversificando o acompanhamento dos utentes e entendendo, de uma vez por todas, que o investimento na prevenção e promoção da saúde é essencial e gerará poupança a longo prazo, com menos despesas no tratamento da doença, mas também com mais horas de vida útil em trabalho.

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As farmácias são o “braço longo do SNS”, segundo António Arnaut, pai do SNS. São tantas vezes o primeiro ponto de contacto quando alguém precisa de ajuda com a sua saúde, estão mais perto e encontram-se espalhadas por todo o país, mais do que a rede de centros de saúde, e os Portugueses confiam e procuram os profissionais de saúde que lá trabalham: os farmacêuticos. Porque motivo não se investe numa maior integração das farmácias no SNS?

Com a promoção de serviços de proximidade prestados pelos farmacêuticos, como a renovação da terapêutica crónica, dispensa de medicamentos hospitalares (mais próximo de casa), promoção da adesão à terapêutica, revisão e reconciliação da terapêutica, bem como o acompanhamento farmacoterapêutico, conseguir-se-iam ganhos em saúde e prevenção de doença. Consequentemente, diminuiria a pressão sobre os centros de saúde e outros pontos do SNS, tornando-o potencialmente mais eficaz enquanto se promovia a comodidade do utente, colocando sempre o seu interesse e bem-estar em primeiro lugar.

Ao mesmo tempo, porque o mais importante tem de ser o utente e a promoção e o cuidado da sua saúde (e porque, por vezes, parece chocar ou ir contra determinadas ideologias políticas uma maior integração das farmácias no SNS), contratem-se mais farmacêuticos para oferecer os serviços referidos nos cuidados de saúde primários, nas Unidades de Saúde Familiar e centros de saúde, onde estão em falta há tanto tempo.

Infelizmente, por consequência desta pandemia, muito foi negligenciado. Ficaram consultas por dar, exames por realizar, cirurgias por fazer… até receitas por renovar e medicamentos por tomar. É necessário criar alternativas e respostas para quando algo falha, como tão estrondosamente falhou, e isso, em muitos casos, ainda não foi feito.

Como referi, é importante refletir no que se passou. Sucessivos anos de suborçamentação no SNS têm consequências e neste ano, devido à pandemia da Covid-19, muitas dessas consequências saltaram à vista. A gestão do ponto de vista meramente económico da área da saúde, com foco no tratamento da doença ao invés da promoção e manutenção da saúde, tem e terá consequências. É preciso mudar e é necessário olhar para os gastos em saúde não como despesas, como foram encarados até aqui, mas como um investimento.

Entendo que, para os decisores políticos em momentos extremos como estes, as decisões a tomar são difíceis e impopulares. O equilíbrio entre a economia e a saúde é muito complicado. Mas lembrem-se sempre, que sem saúde, sem pessoas, não haverá economia.