É para os farmacêuticos, eu incluído, um enorme orgulho contar com a Professora Doutora Ana Paula Martins como ministra da Saúde. Não apenas por ser farmacêutica, mas também por nela reconhecermos qualidades humanistas e reconciliadoras, comprovadas nos cargos que exerceu, e que são, na minha opinião, fundamentais para gerir a Saúde em Portugal.

Da anterior legislatura transitam alguns temas caros aos farmacêuticos comunitários, nomeadamente a renovação da terapêutica crónica e a intervenção em situações clínicas ligeiras. Estas duas medidas, ainda não completamente implementadas e inseridas numa estratégia de maior integração das farmácias comunitárias e dos farmacêuticos no serviço nacional de saúde, têm como mais valia diminuir a pressão sobre os cuidados de saúde primários, libertando recursos humanos e monetários para outras situações e necessidades. Para além disso, representam um passo em frente por uma maior comodidade e respeito pelo interesse dos utentes, permitindo dar uma resposta efetiva no local onde estes já a procuravam.

Se o governo actual implementar com eficácia estas medidas, iniciadas pela anterior direcção executiva do SNS, existem obviamente várias outras áreas onde os farmacêuticos podem ter uma maior intervenção e contribuir para que a falta de médicos de família, de enfermeiros e de outros profissionais de saúde, bem como a falta de requalificação de infraestruturas e equipamento, seja atenuada na saúde da população.

Desde logo, o apoio dos farmacêuticos às estruturas residências para idosos, vulgo lares, e a reconciliação da terapêutica na transição de cuidados permitiria identificar e resolver problemas relacionados com a medicação, como duplicações de fármacos, interações e sobredosagens, entre outros, antes que destes resultasse dano para a saúde dos utentes e que infelizmente são tão frequentes nestes contextos.

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Para além disso, a melhoria da adesão à terapêutica pode ter mais impacto na saúde da população do que qualquer melhoria em tratamentos médicos específicos, sendo que o impacto de uma não-adesão cresce à medida que a carga da doença crónica aumenta, prejudicando os resultados em saúde. Quem o diz é a Organização Mundial de Saúde. Como tal, a oferta de mais serviços farmacêuticos e estratégias para reforçar a adesão à terapêutica, como a preparação individualizada da medicação, de forma protocolizada e comparticipada, bem como o acompanhamento farmacêutico, com monitorização dos parâmetros bioquímicos relevantes para aferir a eficácia e otimizar as terapêuticas instituídas, são estratégias muito interessantes e que trarão melhores resultados em saúde, sem tratamentos mais onerosos que os já instituídos.

No entanto, é necessário acesso aos dados em saúde dos utentes que sejam relevantes para a prestação de cada um desses serviços, além de linhas de comunicação efetivas entre os diferentes profissionais de saúde envolvidos no cuidado do utente. Algo que aos dias de hoje não acontece, mas que tem visto uma evolução favorável tanto mais pela iniciativa do Espaço Europeu de Dados de Saúde da Comissão Europeia, que prevê a possibilidade de partilha de dados de saúde, por iniciativa da pessoa, com qualquer profissional de saúde em qualquer país da União Europeia a partir de 2028.

Posto isto, parece óbvio o enorme potencial de poupança e de ganhos, tanto económicos como de saúde, que uma maior aposta em serviços farmacêuticos, praticados por farmacêuticos, poderá gerar.
Deverá ser óbvio também que, por consequência desses ganhos, parte dessa poupança deverá ser utilizada na valorização e retribuição dos actos e serviços que a geraram e, por conseguinte, nos profissionais que os realizaram.

As farmácias e os farmacêuticos estão, na sua maioria, disponíveis para receber mais responsabilidades e contribuir para a saúde das populações e sustentabilidade do sistema de saúde português. Digo maioria, pois estamos atualmente numa encruzilhada, em que cada farmácia terá de escolher se seguirá uma actividade mais comercial ou de prestação destes e outros serviços de saúde às populações que servem e, por arrasto, os farmacêuticos comunitários também, escolhendo onde preferem trabalhar.

As farmácias vivem hoje uma crise de recursos farmacêuticos. O sector não é tão atractivo para os recém-licenciados e jovens farmacêuticos, que dão cada vez mais valor (e bem) ao equilíbrio entre vida familiar/pessoal e o trabalho e que os horários tendencialmente alargados, fins-de-semana a trabalhar e serviços nocturnos das farmácias acabam por desequilibrar. E os mais velhos e experientes, sentem que as suas qualificações, competências e especialização não são valorizadas como deveriam ser. Estar a pedir a estes profissionais que façam e assumam mais serviços, mais obrigações sem a devida valorização, irá agravar ainda mais essa crise, correndo o risco de estarem a lutar pela realização de serviços que não terão capacidade para prestar.

Sabemos que a saúde acontece a toda e qualquer hora do dia, e por isso é importante que existam soluções disponíveis para quem delas precisa, seja no sector público ou no privado. É por isso fundamental valorizar quem se disponibiliza para garantir essas respostas seja à noite, ao fim-de-semana ou aos feriados.
Ao mesmo tempo, se queremos prestar um serviço, melhor ou diferenciado, precisamos de recursos capazes de o fazer. Possibilitar, apoiar e incentivar a sua formação profissional é primordial, tal como o é reconhecer e valorizar a especialização, as competências e qualificações adquiridas.

Ao longo dos anos, a prestação de serviços e cuidados farmacêuticos nas farmácias de forma voluntária, para garantir a venda de produto ou tentar a fidelização do cliente por algum tipo de facilidade ou promoção na aquisição dos medicamentos, tem levado à falta de reconhecimento e valorização dos serviços prestados. Estamos num ponto de viragem. Aproveitemos esta oportunidade de forma que todo o sector, farmácias e farmacêuticos, saiam valorizados pois só assim poderão continuar a contribui para a saúde de todos aqueles que os procuram.