Há algumas semanas fui alertado, por vários pais e colegas farmacêuticos, para a existência de publicidade a suplementos alimentares infantis a ser transmitida em vários canais televisivos dedicados a crianças. Isto parece-me profundamente errado e de uma baixeza ética atroz.

Ora, se sabemos que as crianças são extremamente influenciáveis, e por isso devemos evitar tomar a nossa medicação à vista delas para prevenir que nos imitem e assim impedir acidentes com medicamentos, o que dizer da exposição direta num canal infantil, no intervalo dos desenhos animados, à promoção de um produto (ainda que um suplemento alimentar) que é tão bom e faz tão bem à criança que está do outro lado do ecrã?

Está-se assim a promover o consumo e a induzir nas crianças a necessidade de tomar determinado produto, que consequentemente irão exigir aos pais, levando a uma exposição desnecessária e potenciando a má utilização do mesmo. Os pais poderão negá-lo… mas nem todos o farão. No exemplo em causa, quem não quer ter uma noite descansada, principalmente no caso das crianças mais novas?

Muitos destes suplementos podem, inclusive, conter substâncias idênticas a medicamentos regulados, basta apenas que a sua dosagem esteja abaixo de determinado limite para que deixem de estar “presos” nas farmácias, ao controlo dos farmacêuticos e à regulação apertada do Infarmed. Tal facto piora ainda o problema, pois os suplementos alimentares são de venda livre, estão disponíveis em qualquer prateleira e sem restrições em muitos espaços comerciais e até online.

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Em geral, os suplementos alimentares, quer sejam vitaminas, quer sejam produtos naturais ou não, podem afetar diretamente a nossa saúde e, inclusivamente, a eficácia e segurança da terapêutica que habitualmente tomamos. Utilizemos o exemplo do hipericão, também conhecido por erva-de-são-joão, tradicionalmente utilizado para combater a depressão leve a moderada, sintomas de ansiedade e tensão muscular. Esta planta, muitas vezes encontrada em chás, é um potente indutor da atividade enzimática e pode, consequentemente, diminuir ou aumentar a atividade de fármacos que sejam metabolizados por essas enzimas, resultando na perda de eficácia da medicação ou no aumento dos efeitos adversos da mesma. Estamos, portanto, a falar de produtos que têm uma ação farmacológica relevante e, como tal, consequências para a saúde, especialmente em caso de má utilização, mas que estão sob a alçada da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (do Ministério da Agricultura) e da ASAE.

Por isso, como farmacêutico e agente de saúde pública, fico preocupado relativamente à facilidade de acesso a alguns destes suplementos, bem como o facto de muitos destes claramente necessitarem de um aconselhamento, dispensa e intervenção que só um profissional de saúde pode dar. Em última analise, não entendo como este tipo de produtos continua fora da alçada do Infarmed e sob regulamentação tão lassa e permissiva ou mesmo inexistente.

Urge aumentar e reforçar a regulamentação dos suplementos alimentares, tanto em termos da sua qualidade, efetividade e segurança, incluindo o acesso, como também a sua promoção, pois estes, muitas vezes, não são inócuos e não pode valer tudo, muito menos quando colocamos em risco a saúde das crianças.