É o Mar importante para Portugal, para o futuro de Portugal?
Com certeza, todos o dirão, desde o Presidente da República ao Primeiro-Ministro que não deixará de lembrar ter ressuscitado a existência no seu Governo de um Ministério dedicado exclusivamente ao Mar, com prerrogativas transversais, quando no Governo anterior o mais que havia era um Ministério juntando Agricultura e Mar.
Factual e indiscutível, logo, dúvida alguma: o Mar é uma prioridade para Portugal.
Todavia, não havendo dúvida sobre a importância e prioridade atribuída pelo actual Governo e respectivo Primeiro-Ministro ao Mar, na mais recente viagem de Estado a Angola, o Primeiro-Ministro deixou, sem mais explicação, a Ministra do Mar em Lisboa.
Sábia prudência por ser mais necessária a Ministra do Mar por cá, do que por lá?
Não é certo.
Mas certo é a ausência da Ministra do Mar na Delegação Portuguesa não ter comovido quem quer que fosse de modo a suscitar um comentário que fosse, por parte de quem fosse, nem mesmo de quem representando em termos oficiais o suposto Cluster Marítimo Nacional tem a responsabilidade pela promoção e defesa no vários planos dos interesses associados aos Assuntos do Mar, como sucede com o Fórum Oceano, para não referirmos já os muitos, muito habituais e habitualmente muito combativos comentadores políticos espalhados um pouco por todos os órgãos de informação, para nos ficarmos por aqui.
Estranho tão amplo silêncio quando tanto se exulta hoje quando se fala no Mar?
Nem tanto.
Como é de há muito simples evidência, do Presidente da República ao Primeiro-Ministro, passando pelo Governo e a esmagadora maioria dos nossos políticos, senão mesmo a quase totalidade, a par das principais entidades, organizações e instituições de várias ordem, até ao público em geral, muito poucos, mesmo muito poucos, são aqueles que, em Portugal, atribuem ao Mar a importância que o Mar verdadeiramente tem para o seu futuro e para o futuro de Portugal – e dos muito poucos que tiveram ainda, em determinado momento, alguma esperança de tudo poder ser diferente, grande parte tem vindo a perdê-la também pela muita inconsequência da maioria das políticas seguidas pelo Governo no que ao Mar respeita, como é disso mesmo particularmente reveladora a ausência da Ministra do Mar na visita de Estado do Governo a Angola.
Todos sabemos, evidentemente, como o factor económico hoje tudo domina, mas todos devíamos ter igualmente plena consciência de como o factor económico é de ordem meramente conjuntural, circunstancial, insubsistente, valendo tanto e tão só, sobretudo na relação entre nações, enquanto perdurarem os mesmos interesses.
Logo se fazendo e desfazendo assim haja ou se desfaçam os mesmos interesses de ordem puramente económica, sem mais.
Pensar estrategicamente as relações entre duas nações como as relações entre nações como Angola e Portugal exige pensar além das relações de mero carácter económico, tanto mais quanto, seja na Defesa ou Segurança e Administração Interna, já fomos largamente ultrapassados por terceiros, incluindo, ironia das ironias mas não mero acaso também, Espanha.
Para que as relações de ordem meramente económica pudessem ter um mínimo de sentido estratégico, seria necessário conseguir estabelecer uma inter-relação e interligação de tal modo profunda entre Angola e Portugal que nem Portugal tem capacidade para concretizar nem Angola interesse algum em ver efectivamente concretizada.
Muito diferente, porém, se as relações entre Angola e Portugal forem pensadas e estruturadas a partir de uma visão Marítima, que não deixará nunca de ter também implicações económicas mas vai muito além disso.
Em primeiro lugar, olhando para a Região e para tudo quanto aí se passa, da República do Congo à África do Sul, logo percebemos o interesse e oportunidade que se abre a Angola de poder vir a assumir um importante papel na mesma, como, por certo, não deixará de ser, muito justamente, ambição sua.
Para assumir um papel importante na Região não poderá deixar de implicar a capacidade de se projectar e assumir igual papel no Atlântico, tanto mais quanto se sabe e são bem conhecidos os crescentes problemas de Segurança Marítima, respeitando tanto ao crescente número de actos de pirataria como à pesca ilegal e consequente delapidação de recursos, para referir apenas duas das mais graves e urgentes situações e nem mencionar já os mais diversos tráficos e outras questões de carácter mais geoestratégico.
Para além disso, pensar e estruturar as relações Luso-Angolanas a partir de uma visão Marítima, é ir também muito para além de uma mera e estrita relação entre Angola e Portugal mas tudo enquadrar numa visão mais ampla, não sendo nunca demais lembrar como o duplo Triângulo Estratégico formado, por um lado, pelas linhas imaginárias que unem Continente-Açores-Cabo Verde, sem esquecer a Madeira, no Atlântico Norte, bem como, no sentido inverso, Cabo Verde-Angola-Brasil, no Atlântico Sul, transformam, ou podem transformar, se houver, de facto, consciência disso e consequentemente acção, o Atlântico num Oceano eminentemente Lusófono, passível de conferir à CPLP uma verdadeira dimensão estratégica que ainda lhe falta, muito para além da amplitude passível de ser atingida numa mera relação económica bilateral entre quaisquer nações que compõem hoje a mesma CPLP, elevando-a, de facto, a um outro plano de acção e afirmação.
Assim como Portugal para defender a sua singularidade e se afirmar na Europa necessita de se projectar no Atlântico, assim o mesmo sucede com Angola em relação a África, tal como com o Brasil em relação aos Estados Unidos, talvez até mais do que em relação simplesmente à América do Sul ou Ibero-América.
Nada de novo.
Se o Presidente da República lembrava, no seu discurso de encerramento da Oceans Meeting, a semana passada, Pessoa e o seu célebre dito, em diferente contexto, com certeza, de o Mar já não separar mas unir, importa compreender como é o Mar que une e estrutura realmente a CPLP – se quisermos entender o que CPLP pode e é verdadeiramente para ser.
Ou seja, em todo este contexto, se a ausência da Ministra do Mar na visita de Estado do Primeiro-Ministro a Angola, como referido, não pode deixar de significar senão ausência de qualquer visão de Portugal como Nação Marítima bem como, mais gravemente, de qualquer visão estratégica para o futuro de Portugal, passível de consubstanciar uma verdadeira visão para a CPLP ou, como também vulgarmente se diz, para a Lusofonia que Portugal deveria saber liderar, para além do também já referido silêncio, outras e maiores surpresas nos aguardavam entretanto que talvez ajudem a explicar e a melhor compreender estes estranhos tempos de desistência que nos é dado viver, como foi, antes de mais, o tão surpreendente quanto estranho discurso proferido igualmente por Adriano Moreira na Conferência Oceans Meeting.
Convidado a participar numa Conferência de carácter eminentemente internacional, espera-se, naturalmente, sobretudo de uma figura como Adriano Moreira, um discurso de afirmação de Portugal, da sua História, da sua singular visão e acção no Mundo, tanto mais quanto são conhecidas tanto as suas posições críticas de falta de uma verdadeira visão estratégica nacional desde 1974, bem como a sua continuada defesa da importância do Mar para o futuro de Portugal e, por consequência, da sua sistemática crítica e chamada de atenção para os perigos do chamado Mar Europeu.
Porém, ao contrário do que seria talvez legítimo esperar, o seu discurso seguiu muito distintas vias, servindo propósitos, pelo menos para nós, completamente inesperados.
De facto, o longo e talvez relativamente pesado discurso, tendo sobretudo em atenção a assistência presente, algo complexo, profusamente recheado de erudição e selectas referências, pareceu ter, em síntese, um único fim e propósito: a defesa da Organização das Nações Unidas e de alguma forma de Governo Global, tendo como principal pano de fundo uma veemente crítica aos Estados Unidos e, naturalmente, a muitas das posições defendidas pelo Presidente Donald Trump, sem que, todavia, por uma única vez hajam sido, evidentemente, mencionados.
A defesa de tal posição, em si mesma, não surpreende, tanto mais quanto essa tem sido em grande parte, infelizmente, o discurso defendido igualmente pela Ministra do Mar, como na sua intervenção de abertura da Conferência ficou uma vez mais claro, sob o pretexto, sempre por todos invocado, naturalmente, de tudo quanto é necessário fazer pelos Oceanos necessitar de uma trabalho colectivo e não poder ser acção realizada por uma única nação, apelando-se assim para uma maior intervenção das Nações Unidas, para a eventualidade da necessidade de uma Governação mais Global, seja directamente relacionada com os Oceanos ou não, mas, acima de tudo, por vermos tal posição ser igualmente defendida por uma personalidade como Adriano Moreira.
Mais gravemente, porém, no seu longo discurso, não deixou de ficar, em defesa da sua tese, de forma algo elíptica, uma quase linear continuidade histórica desde os mais recuados dias da Escola Ibérica da Paz, sem esquecer pelo meio o tão anti-Luso Hugo Grócio, até aos preceitos defendidos actualmente pelas Nações Unidos, incluindo as suas sempre renovadas pretensões a uma qualquer forma de Governo Mundial, que se afigura, no mínimo, não apenas um erro, mas, acima de tudo, profundamente contrário aos interesses de Portugal, bem como de a toda a tradição de pensamento mais verdadeira e genuinamente Português.
Na sala, compondo-se a assistência maioritariamente por estrangeiros, poucos seriam, naturalmente, os que estavam em condições de inteiramente o seguir e compreender Adriano Moreira quanto à erudita referência à Escola Ibérica da Paz.
Como se sabe, refere-se como Escola Ibérica Paz a Escola de pensamento que, iniciada por Francisco de Vitória em Salamanca, teria importantes ramificações em Coimbra e Évora, tendo sobressaído ainda findas figuras tão notáveis como a de um Luís de Molina em Espanha e a de um Francisco Suárez em Portugal, não podendo deixar de se reconhecer, no seu todo, a Escola Ibérica da Paz, como o primeiro momento de constituição de um verdadeiro Jus Gentiume fundamento de quanto viria a ser mais tarde a instituição do Direito Internacional, vindo o seu legado ser retomado, de algum modo, mais tarde por Hugo Grócio com todas as repercussões que hoje são bem conhecidas de todos.
Para melhor se compreender a importância da designada Escola Ibérica da Paz, importa estarmos a falar do Século XVI, em plena era dos Descobrimentos, e da defesa de doutrinas que conferiam o primado universal à dignidade humana, defendendo também, por extensão, a legitimidade das soberanias indígenas de acordo com o entendimento de não diferir o poder dos príncipes cristãos do poder dos príncipes pagãos, limitando assim tanto o poder e autoridade do Papa quanto dos Reis, se assim se pode dizer, o que não poderia deixar de gerar profunda controvérsia, senão mesmo escândalo, em muitos casos, à época, bem assim como a tese defendida por Francisco Suárez, segundo a qual, do ponto de vista da natureza, o poder civil não foi concedido directa e imediatamente por Deus aos príncipes mas sim pelos homens associados em comunidade, tese à qual Paulo Meréa dedicou um estudo notável e que configurava já uma espécie de futura legitimação da soberania do povo e da mais moderna democracia.
Legado que Hugo Grócio, o famoso autor da tese do Mare Liberum, no fundo, um parecer escrito para defender os ataques perpetrados pelos Holandeses no Oriente Português pela não menos célebre Companhia das Índias, ao qual, como também se sabe, responderia Serafim de Freitas com a sua obra, Do Justo Império Asiático dos Portugueses, haveria, como referido, de retomar.
Quanto aqui importa não é, porém, nem discutir e confrontar ambas as obras e as respectivas teses, nem muito menos seguirmos a constituição do Jus Gentiume o fundamento de quanto viria a ser mais tarde a instituição do Direito Internacional, mas tão só assinalar o facto de Adriano Moreira, independentemente, no caso, a bem da defesa do seu propósito, enaltecer o princípio da Liberdade dos Mares, não atender à muito Portuguesa contraposição, colocada por Serafim de Freitas, entre o «estado de natureza íntegra», suposto nas teses defendidas por Grócio, ao «estado de natureza corrupta», próprio do Homem e base, em grande medida, de toda a sua subsequente argumentação, inclusive, em defesa dos próprios povos indígenas.
Por outro lado, não obstante as principais figuras da Escola Ibérica da Paz, de Francisco de Vitória a Francisco Suárez, sem esquecer Luís de Molina, defenderem a universalidade da dignidade humana, nunca advogaram nada de semelhante ou parecido a qualquer forma de Governo Mundial ou de Monarquia Universal, como viria a defender, por exemplo, um Padre António Vieira, embora por razões muito distintas de quem defende hoje um Governo Global sob os auspícios das Nações Unidas, não apenas por se referir especificamente ao Quinto Império Português, mas também a uma Monarquia Espiritual, algo completamente estranho e incompreensível a Nações Unidas de hoje.
Estabelecer uma espécie de continuidade entre a Escola Ibérica da Paz e os propósitos da Nações Unidas, esquecendo o Iluminismo, Pombal e o seu ódio ao «abominável» Aristóteles por ser exactamente a autoridade a que recorriam os Jesuítas para contestarem o Poder Absoluto de Déspota Esclarecido a que se julgava como direito, bem como todas as posteriores ideologias que têm vindo a tomar conta do Mundo, Positivismo, Marxismo e todos os muitos ismos, incluindo o Neopragmatismo e as mais actuais transfigurações nos insidiosos Neoambientalismo e Neomoralismo, na constante e permanente busca de subversão e dissolução da nossa melhor Tradição (para quem sabe ainda o que Tradição verdadeiramente significa sem se reduzir a mero Folclore), é, no mínimo, tudo confundir.
De facto, qualquer semelhança entre a doutrina formulada por uma Escola Ibérica da Paz, composta, ainda por cima, essencialmente por Jesuítas e Dominicanos, em que o respeito pela transcendência, por maioria de razão, não estava nunca em causa, e os preceitos defendidos por uma instituição como a Organização das Nações Unidas, em que a absoluta recusa da mesma transcendência que nos tem conduzido ao disparate, desastre e desolação em que nos encontramos predomina, a existir, só pode ser mesmo simples coincidência.
Como se sabe e já expusemos, mas talvez valha a pena relembrar, o actual momento de disparate, desastre e desolação que vivemos, não obstante todos os seus pergaminhos Académicos, tem exactamente a ver com isso.
De facto, pelos idos dos anos 90 do Século passado, Manuel Maria Carrilho, mais tarde Ministro da Cultura do Governo de António Guterres, independentemente de muito se queixar então de ser pouco lido pelos seus pares e, supõe-se, eventualmente, também pelo público em geral, fez publicar uma pequena mas muito significativa, e bem exposta, obra, intitulada, exactamente, «Filosofia».
Estava-se pelos anos de 1994 e, nessa pequena mas muito significativa obra, Manuel Maria Carrilho teve como principal intuito apresentar, defender e exaltar uma linha de pensamento, se assim podemos dizer, que, partindo de Kant, desaguava nas teses, então muito em voga, como ainda actualmente, do que viria a ser designado como Neopragramatismo, tendo então como expoente máximo o filósofo norte-americano, Richard Rorty, que, por feliz coincidência, via nesse mesmo ano ser publicada, em tradução Portuguesa, a sua obra, «Contingência, Ironia e Solidariedade», na Editorial Presença.
Feliz coincidência, reforçamos, porquanto, a par da obra de Manuel Maria Carrilho, o livro de Richard Rorty, enquanto principal doutrinador, defensor e divulgador dessa nova corrente, ou seja, do Neopragmatismo, não pode nem deve deixar de ser lido com o mesmo atento cuidado dedicado à primeira, senão mesmo ainda com mais.
O que nos diz e ensina de tão significativo Richard Rorty, não por acaso, também discípulo e continuador da designada French Theory?
Sintetizando, preceitua Richard Rorty que devemos, antes de mais, libertar-nos de toda a teologia, como de toda a transcendência, repudiando a Verdade enquanto Verdade, ou enquanto princípio, resquício de um passado metafísico dado já como terminado, o que não poderá deixar de conduzir senão tanto à negação de todo o pensamento enquanto verdadeiro pensamento, uma vez não ser todo o verdadeiro pensamento senão pensamento da verdade, como à consequente desvalorização da lógica, órgão do pensamento, uma vez dado já também como insubsistente, simples e iludida crença de alguma vez poder suprir a radical cisão pensamento-acção-realidade, como a radical, perpétua e inultrapassável tensão privado-público.
Por tudo isso, mais importa a retórica, a literatura, do que a filosofia, de estrito e exclusivo foro privado, pessoal, neste caso, sem qualquer essencial vínculo à realidade, domínio público, por excelência, de «socialização», onde uma linguagem comum, retórica, é a todo o momento passível de ser assumida com a exclusiva finalidade conduzir e permitir a realização de uma mesma comum acção num mundo sobre o qual tudo quanto podemos saber e dizer mais não corresponde sempre senão a meras «convicções», meras «narrativas» ou meros «jogos de palavras», sem mais, uma vez também tudo orientar-se e esgotar-se exclusivamente na acção, na comum acção.
Qual o propósito?
Estabelecer «uma cultura pós-metafísica, pós-religiosa, historicista e nominalista», «adoptando narrativas que liguem o presente ao passado, por um lado, e a utopias futuras, por outro», tendo sempre em vista uma constante e sistemática «concepção e realização de sucessivas utopias como realização prolífera e infindável da Liberdade e não como convergência para uma Verdade pré-existente».
Afigura-se bem explícito o ideário de Rorty em que, apesar de tudo, sempre persiste um interdito, mesmo que razão alguma seja possível aduzir para tal justificar, como seja o da crueldade, ou da humilhação, significando aqui crueldade e humilhação, acima de tudo, como tornar inviável a alguém, pela acção de violência física ou psicológica sofrida, refazer-se ou reconstituir-se na sua história, na sua «narrativa», como Orwell, talvez melhor do que ninguém, diz-nos ainda, soube compreender e descrever no seu 1984.
Mas não se imagine qualquer resquício de idades mais metafísicas, bem pelo contrário: «Não é só pelo facto de sermos humanos que temos um vínculo comum. É que aquilo que temos em comum com todos os outros humanos é a mesma coisa que temos com todos os outros animais – a capacidade para sentir dor».
O tempo, entretanto, passa.
É certo que, olhando para Portugal desde os dias 1994 e das publicações tanto da obra de Manuel Maria Carrilho como da de Richard Rorty, logo vem à memória, imediata e espontaneamente, como é evidente, António Guterres e as suas «convicções», José Sócrates e as suas «narrativas», António Costa e os seus «jogos de palavras», as suas «legítimas utopias», bem como, agora, cúpula das cúpulas, Marcelo Rebelo de Sousa e a sua cultura de «afectos», para evitar a «crispação», antecâmara ou mitigada forma de mais próxima e aberta «violência», e, por certo, «crueldade» e «humilhação», tentando reconduzir-nos a todos à infância, à idade da suposta inocência e, quem sabe, até mesmo àquela felicidade pela qual todos, de uma forma ou outra, sempre ansiamos.
Não sabemos se é neste mundo de Neopgramatismo, de mero «jogo de palavras», que Adriano Moreira quer viver. O que sabemos, porém, é que, despindo o seu discurso de todo o aparato e profusão de eruditas citações e lugares selectos, como antigamente se dizia, temos, em fundo, uma perfeita e exacta coincidência com o discurso proferido pelo Presidente da República Portuguesa nas Nações Unidas, seguindo a mesma subliminar mas veemente crítica à política dos Estados Unidos e do Presidente Trump, a par de uma mesma exacta estranha defesa e enaltecimento de um Governo tendencialmente Global, sem se vislumbrar, todavia, seja em que momento haja sido, uma mínima preocupação de afirmação de qualquer tradição de pensamento mais verdadeira e genuinamente Português ou, sequer, de defesa dos interesses de Portugal.
Coincidência, apenas?
Infelizmente, não cremos.
O que cremos, de facto e infelizmente, é estarmos a sucumbir, talvez até de forma inconsciente, não raras vezes, mas certa, aos prestígios daquele muito antigo e sempre o mesmo quadro de recusa de toda a transcendência, de negação da Verdade enquanto Verdade, de destituição do primado do pensamento e consequente anulação de toda a verdadeira Liberdade, descida a mero Livre Arbítrio, assim como de repúdio de toda a verdadeira individualidade, de toda a verdadeira singularidade, para, subvertendo toda a mais verdadeira e genuína tradição Portuguesa, pela exaltação de um universal abstracto, de um internacionalismo completamente vazio, subsumidos já numa espécie de grande comunidade de térmitas, levar-nos a seguir passivamente os mesmos iluminados de sempre, transfigurados agora em Neoambientalistas, Neomoralistas, deificando Gaia, a Mãe Natureza e todo o Sopro dos Tempos, a caminho de uma cada vez mais certa e completa desolação extrema.
Estamo-nos a anular como nação verdadeiramente autónoma, verdadeiramente independente, verdadeiramente soberana?
Muito possivelmente.
Não temos estratégia para o Atlântico, não levamos a sério os Assuntos do Mar, mas, ó ironia das ironias, é pelo Mar, pela preocupação da saúde dos Oceanos que nos estão a tentar levar a aceitar uma qualquer forma de Governo Mundial, ou Global, a desistirmos de sermos nós, como se nada nada mais tivéssemos já a oferecer ao Mundo senão constituirmo-nos como uma «plataforma», uma «placa giratória», como afirmou igualmente o Presidente da República no encerramento da manhã da Conferência Oceans Meeting.
Não se afigura destino particularmente exaltante, é certo, mas enquanto tivermos Mar, enquanto soubermos pensar a Nação Marítima que verdadeiramente somos, há esperança, esperança de, finalmente, nos libertarmos, de uma vez por todas, de todos esses prestígios que hoje tanto nos cegam, dominam e, pouco a pouco, condicionam e destroem.
Diretor do Jornal da Economia do Mar