Esta crónica podia ter outro título: O Sermão de Marcelo ao Governo. Porém, o Presidente da República, com a sua intervenção em prime-time, alcançou somente uma coisa: a banalidade. Nada fez, nada de novo disse. Repetiu, no essencial, aquilo que já tinha comunicado através da sua nota presidencial relativa ao caso do atual Ministro das Infraestruturas, João Galamba. Para além disso, ameaçou – como está a fazer desde Outubro de 2022 – o Governo com a sua atenção e com os seus poderes constitucionais, nomeadamente a dissolução parlamentar.

A necessidade exasperante de Marcelo de comentar este caso revelou apenas algo que já era padrão. A tarefa de comentador nunca saiu do Presidente.

Neste caso em particular – o de Galamba e a exoneração de um adjunto do ministro após, alegadamente, terem existido agressões físicas e a apreensão de um computador por parte do SIS (Serviço de Segurança de Informações) –, os poderes do Presidente da República estavam altamente limitados: um ministro só pode ser exonerado por proposta do Primeiro-Ministro. A separação de poderes está inscrita na Constituição e foi cumprida. Naturalmente que o poder da palavra e a intervenção pública devem ser tidas em consideração, sendo este um dos principais poderes da Presidência da República – mas apenas isso. No final do dia, compete ao chefe do Governo, conforme a lei fundamental, tomar as decisões sobre o seu executivo.

Sendo neste momento a principal figura no ativo da Direita democrática em Portugal, Marcelo tentou agitar as águas politicamente. Esta sua intervenção serve para tentar galvanizar uma oposição que, até agora, está murcha. Montenegro não é visto como um líder junto do eleitorado. Numa sondagem da Aximage divulgado pelo Observador a 24 de Abril, o PSD aparece, de facto, à frente do PS, com 28,6%; mas esta liderança deve-se, mais propriamente, a uma descida abrupta do PS (28,3% em relação a 41,5% nas legislativas passadas) e não a uma subida considerável do PSD, já que os sociais-democratas, nas últimas legislativas obtiveram 27, 83%.

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A Iniciativa Liberal parece estar a passar um momento de maior instabilidade devido as três últimas polémicas que envolveram o partido: as considerações feitas por António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa e Augusto Santos Silva acerca da IL; o caso do Youtuber que, a convite do partido, visitou a Assembleia e ofendeu o Primeiro-Ministro português; e a recente demissão de Carla Castro do cargo de Vice-Presidente da bancada parlamentar do partido.

O Chega! parece ser o único partido à Direita que continua com tendência de crescimento, mas a pressão política de uma parte significativa de alguns sociais-democratas e liberais pode impossibilitar um acordo entre estas três forças parlamentares.

Dada esta disposição do xadrez eleitoral, Marcelo podia ter esperado por um momento mais oportuno para dar uma de Mário Soares. Contudo, o Presidente não resistiu a comentar. Nesta situação devia apenas ter reconhecido que a letra da Constituição foi cumprida, apesar de discordar do Governo – ponto final. Prolongou excessivamente esta polémica. Decidiu demonstrar que está presente e “vai estar mais atento”.

Enquanto isso, António Costa impõe a sua autoridade através dos poderes legítimos que tem e sai do caso como um “animal político capaz de fazer frente a Marcelo.”

O Presidente tanto falou que morreu como os peixes: pela boca.