À entrada do debate, os números eram claros: a sondagem feita pelo FiveThirtyEight1 no dia 22 de Agosto mostrava que a maioria dos eleitores republicanos – 52.2% – pretendia votar em Donald Trump, dando pouca margem aos seus adversários para fazerem uma frente eleitoral ameaçadora ao domínio do ex-presidente dos Estados Unidos. Somente Ron DeSantis, atual Governador da Califórnia, aparecia com dois dígitos na corrida pela nomeação republicana – 14.5%. Os restantes candidatos, Ramaswamy, Pence, Scott, Haley, Christie, Burgum e Hutchinson apareciam todos com menos de 9% dos potenciais votos.

À saída… pouco mudou. Porém, de forma surpreendente, o debate das primárias republicanas foi, de longe, mais competitivo do que se esperava.

Apesar da ausência de Trump, o grande favorito para ser novamente o candidato republicano, os restantes sete demonstraram não ser as totais nulidades que os legacy media tentaram fazer parecer.

De acordo com informação que tinha sido vazada pelo Super Pac Never Back Down, um movimento de apoio à campanha de DeSantis, a estratégia do candidato, por culpa da ausência de Trump, seria atacar Ramaswamy, empresário bilionário filho de pais imigrantes e rising star da política americana, e defender Trump. Em resposta a esta estratégia, o óbvio seria que os restantes candidatos focassem os seus ataques no Governador da Califórnia, visto que, em palco, era o candidato mais bem posicionado nas sondagens. Acontece que não foi o caso. Nem DeSantis foi eficaz a atacar Vavek Ramaswamy, nem os demais candidatos foram capazes de o fazer.

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O bilionário licenciado por Harvard, com o seu estilo disruptivo pop e as suas ideias galvanizadoras da ala mais extremista da Grand Old Party – nega as alterações climáticas, é a favor de uma proibição estatal do aborto às 6 semanas de gravidez, diz que perdoaria Donald Trump caso este fosse considerado culpado, é contra o apoio militar por parte dos EUA à Ucrânia – conseguiu captar as atenções para si. Contudo, diga-se em abono da verdade que os golpes que lhe foram dirigidos ficaram aquém do que poderia ser considerado “eficaz”. Chris Christie, antigo governador de New Jersey e o mais recente republicano queridinho do meio Democrata, devido aos seus ataques constantes ao seu antigo messias político – agora arqui-inimigo de sempre, Donald Trump –,  soou arrogante ao tentar rebaixar Ramaswamy pela sua idade ou pela sua forma de falar – comparou a voz do seu adversário à do ChatGPT – e Mike Pence, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, não conseguiu passar também da crítica à idade (“rookie”, “unexperienced”). Enquanto isso, Vavek espalhava a cartilha dos Republicanos MAGA e era aplaudido ostensivamente por uma audiência particularmente bizarra, visto que tanto aplaudia com energia as afirmações anti-luta climática de Vavek, como as posições (algumas) de centro-direita de Nikki Haley, que até chegou a criticar o seu próprio partido em defesa do Partido Democrata no tema de gastos governamentais. Esta ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora das Nações Unidas foi, a meu ver, quem mais se destacou como uma aposta mais moderada para o Partido Republicano – apoiou a continuação do apoio militar à Ucrânia, revelou um conhecimento sólido nas matérias de diplomacia (confronto com China e Rússia), apresentou uma proposta menos severa comparada a de DeSantis ou Pence no que diz respeito ao aborto (proibir a interrupção voluntária da gravidez após as 15 semanas e aumentar o acesso a meios contraceptivos) e revelou a urgência de renovar geracionalmente a liderança republicana.

Já Tim Scott, Senador da Carolina do Sul, que divide o apoio evangélico com Mike Pence, apareceu na sombra dos holofotes, sem nenhum momento que escapasse ao banal. Nada o distinguiu em particular dos outros candidatos.

Resumindo as prestações de cada candidato:

Ron DeSantis – A sua estratégia lucrativa eleitoralmente usada na Flórida, que consiste em atacar a Disney, o wokismo da esquerda Democrata, a ideologia de género, os livros lidos e estudados nas escolas e o aborto parece não estar a colar nacionalmente. As suas intervenções pouco genuínas e falta de à-vontade na discussão fragilizaram o Governador. Apesar de tentar ser Trump ao mesmo tempo que tenta atacá-lo subtilmente para não chatear uma boa parte da base republicana, não consegue disfarçar que se sente desconfortável ao falar sobre temas como os indictments do ex-Presidente. Parece um animal enjaulado pela sua própria campanha, que sabe que tem em mãos um indivíduo incapaz de ter uma interação comum.

Vavek Ramaswamy – Foi uma das surpresas da noite. Galvanizou o público e revelou uma boa preparação para as críticas que lhe foram dirigidas. Apenas Nikki Haley foi capaz de virar o público contra ele. É o pequeno gás que incendeia os restantes adversários.

Nikki Haley – A sua experiência governamental e diplomática sobressaiu. A sua postura mais moderada em comparação com a dos seus adversários dá-lhe um destaque evidente. Foi o mais próximo daquilo a que na Europa chamaríamos de “Centro-Direita” ou “Democrata Cristã”. Foi a outra grande surpresa da noite. Se o Partido Republicano não estivesse dominado pela base MAGA, seria uma candidata séria a vencer as primárias – assim, voltará a ser Embaixadora ou uma conferencista mais bem paga.

Chris Christie – Se tinha algum momentum antes do debate motivado pela atenção mediática oferecida pela CNN e MSNBC (que adoram ver Republicanos a lutar entre si!), perdeu-o no debate. Não foi capaz de materializar as suas duras críticas a Trump. O público, em certo momento do evento, nem o deixava falar. Está longe de agradar ao eleitorado republicano. Faz parte da Direita de que a Esquerda gosta.

Mike Pence – As suas sistemáticas referências à Biblia, a Ronald Reagan e à sua devoção a Jesus Cristo fazem adormecer qualquer um. Quando tenta ser mais agressivo, falha escandalosamente. Dividido entre atacar e apoiar Trump, não definiu o seu espaço na corrida pela nomeação. O seu melhor argumento ser o de “já estive na Casa Branca” diz muito sobre a sua falta de qualidades.

Tim Scott – Não esteve nem bem, nem mal. Foi indiferente. As suas posições religiosas já podem ser encontradas num candidato mais experiente: Mike Pence. O banal do banal.

Os restantes candidatos, Hutchinson e Burgum nem merecem ser individualizados. Serão esquecidos rapidamente. São somente um pequeno grão de areia numa praia cuja maré os levará até ao esquecimento.

As últimas sondagens disponibilizadas pela plataforma FiveThirtyEight2 até à data (24/08) mostram, em comparação com as sondagens feitas pela mesma entidade no dia 22 (antes do debate) apresentadas no início da crónica, apenas uma subida considerável de Ramaswamy de 8,2% para 10,3%. De resto, todos os candidatos, mantiveram os seus números.

Muito barulho, muito show, pouca mudança – assim foi o debate das primárias republicanas. Um bom reflexo do próprio partido: estagnado, repetitivo e saudosista da era Trump. Os Democratas riem-se e desfilam, aguardando uma, até agora merecida, blue wave.

1 Wiederkehr, R. B., Aaron Bycoffe, Ritchie King, Dhrumil Mehta and Anna. National: President: Republican primary : 2024 Polls. FiveThirtyEight. 

2 Wiederkehr, R. B., Aaron Bycoffe, Ritchie King, Dhrumil Mehta and Anna. National: President: Republican primary : 2024 Polls. FiveThirtyEight.