A crise de migrantes na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia está estreitamente ligada à agudização de relações entre a Rússia e a União Europeia, não obstante o Presidente Putin frisar que o seu país nada tem a ver com isso.
Numa entrevista ao canal de televisão “Rossia 24”, o dirigente russo fez afirmações falsas a fim de justificar a política do seu protegido, o ditador bielorrusso Alexandre Lukachenko.
Ao responder à pergunta do entrevistador a propósito das declarações que Lukachenko fizera na quinta-feira sobre a possibilidade de cortar o fornecimento de gás russo à União Europeia através do gasoduto que atravessa o território bielorrusso, Putin declarou que estava a ouvir falar disso pela primeira vez.
“Conversei duas vezes com Alexandre Grigorievitch [Lukachenko] nos últimos tempos, ele não me falou nada disso, nem sequer insinuou. Talvez possa fazer isso. Embora nisso não haja nada de bom e claro que irei conversar com ele sobre isso” – acrescentou o dirigente russo, sublinhando que “semelhantes actos prejudicariam o sistema energético europeu e não ajudaria o desenvolvimento das relações entre a Rússia e a Bielorrússia. Além disso, seria uma violação do contrato de trânsito”.
Seria ridículo acreditar que aos ouvidos do dirigente russo não tivessem chegado as ameaças de chantagem feitas por Lukachenko que provocou uma reacção imediata da União Europeia. Mas Putin gosta de se apresentar como um político cumpridor de compromissos, uma espécie de “salvador misericordioso” num momento em que a Europa precisa de gás.
Outra das mentiras que o dirigente russo nos tenta impingir consiste no facto de a Rússia não ter nada a ver com a crise de imigrantes na fronteira bielorrusso-polaca.
Quando Angela Merkel, chanceler interina alemã, telefonou a Putin para conversar sobre a crise dos refugiados, este mandou-a ir falar directamente com o ditador bielorrusso. Um conselho envenenado com um objectivo claro: ao começar conversações com os dirigentes europeus, Lukachenko irá ver nisso o reconhecimento da sua legitimidade enquanto presidente da Bielorrússia.
Os factos mostram que o ditador bielorrusso não ousaria organizar provocação após provocação “sem ter as costas quentes”.
“Eu digo a Putin: o principal é que tu não hesites. Se surgirem dificuldades, quero saber que por detrás de mim está o irmão mais velho, que não permitirá que façam mal ao mais novo. Nada mais é preciso”, afirmou Lukachenko numa entrevista à revista russa “Natzionalnaya oborona”.
É verdade que, até agora, Putin não tem hesitado. Desde o primeiro momento que Moscovo apoia a política de Lukachenko com vista a transformar a Bielorrússia num corredor de passagem de migrantes ilegais.
Na citada entrevista, o autocrata russo diz que uma das razões da entrada de migrantes na Bielorrússia se deve ao facto de não ser necessário visto para entrar nesse país, o que é completamente falso. O negócio dos vistos tem trazido bons dividendos aos cofres de Minsk.
Putin volta a afirmar que a Rússia não é parte do conflito no Donbass entre separatistas pró-russos e o governo da Ucrânia, mas o facto é que eles não sentem falta de armamento ligeiro e pesado, de armas capazes de abater aviões civis. E essas armas são de fabrico russo e só podem entrar no Donbass a partir do território russo.
O Kremlin ainda não chegou ao ponto de anexar a Bielorrússia, nem partes do território deste país, como fez com o Donbass, mas o que leva as suas tropas a realizarem manobras em território bielorrusso, perto da fronteira com a Polónia? A morte de dois paraquedistas russos e os voos de aviões militares russos perto das fronteiras com a Polónia, Letónia, Lituânia e Estónia não serão provas do envolvimento directo do Kremlin nas provocações montadas por Lukachenko?
Não é demais repetir que a União Europeia tem culpas nas crises de migração, pois, juntamente com os Estados Unidos, tiveram na origem de conflitos que continuam a provocar ondas de refugiados do Afeganistão, Médio Oriente e Norte de África. Por isso tem de arranjar soluções para o problema com base nos princípios humanitários internacionais.
Porém, a União Europeia não deve ceder a chantagem de políticos que querem transformar os refugiados numa arma da sua destruição. Não é segredo para ninguém que o Kremlin aposta no reforço das forças da extrema-direita europeia a fim de semear a discórdia e o caos no seio da UE. Ora as crises de refugiados é uma das partes mais importantes dessa aposta. Se os membros da União Europeia não souberem actuar em uníssono nesta “guerra híbrida” declarada por Putin, o seu futuro estará em perigo.