À semelhança de Hércules, o Governo também tem 12 trabalhos pela frente para reorganizar o serviços de fronteiras.

O aumento de estrangeiros em Portugal é um caso sucesso de políticas públicas implementadas ao longo dos últimos 15 anos, tanto por Governos PS como PSD. O resultado tem-se verificado nos últimos 7 anos com um aumento sucessivo da população estrangeira. Ao melhor estilo inconsequente português, parece que ninguém esperava ter sucesso nas políticas implementadas porque ao longo dos anos se foram esquecendo de calibrar a “máquina” do serviço de fronteiras.

Com a entrada em vigor da AIMA, foi gritante a incompetência do último Governo que nada fez desde a morte anunciada do SEF em 2020. A reforma do SEF foi reactiva e não pro-activa. Em vez de se reformar e reforçar a formação dos agentes de segurança, modernizar o sistema informático, resolveu-extinguir a única força policial com experiência na gestão de fronteiras e integração de estrangeiros para dar resposta a um problema político.

O que pode o Governo fazer?

O primeiro trabalho deve ser a revisão do início do processo migratório nos Países de origem. O processo pode ter origem na Plataforma E-Visa do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou através da agência VFS, dependendo da jurisdição. A VFS é a maior empresa detida por particulares, que presta serviços de acessória migratória a vários Estados Membros, através do agendamento e da análise de documentos dos Requerentes de visto. No site Base.gov não está publicitado qualquer concurso público que envolva a VFS. A empresa VFS tem o monopólio privado do processamento de vistos e recebe um benefício económico uma vez que cobra emolumentos a todos os requerentes de visto, como tal, devia estar sujeita a concurso público.

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A VFS é um elemento que fragiliza o sistema de segurança do Espaço Schengen uma vez que os seus funcionários têm acesso a documentos confidenciais de todos os requerentes de visto. A falta de escrutínio a esta agência VFS, a inexistência de concurso público, o livre acesso a dados confidenciais, tem tido consequências já reportadas pela comunicação social como os casos de corrupção passiva e ativa em consulados no Brasil, Guiné Bissau e Índia.

Continuando o percurso migratório, ao chegar a Portugal o requerente de um título de residência depara-se  com o site do SEF/ AIMA que acolhe 5 sites diferentes que se desdobram em: Reagrupamento familiar, CPLP, Manifestação de interesse (para os cidadãos estrangeiros que entraram em Portugal sem visto), ARI (Autorização de Residência por via do Investimento), Demais títulos de residência (trabalho dependente, independente, D7, D8 para cidadãos estrangeiros que entraram com o Título de residência) e por fim o site do IRN (o Instituto dos Registos e Notariado) tem a responsabilidade da renovação dos Títulos de Residência. É urgente a criação de uma Plataforma Migratória Única, que consolide num só portal todos os interlocutores do processo de visto bem como os documentos que são necessários para processar e decidir o visto, desde o requerimento até à emissão do título de residência, eliminando, desta forma, o recurso a entidades privadas como a VFS.

Outro trabalho hercúleo passa por viabilizar o agendamento dos títulos de residência que actualmente são realizados por via telefónica, com a qual é praticamente impossível de estabelecer contacto. Desde os confinamentos decretados a propósito da pandemia que não se voltou a repor a periodicidade de abertura de agendamentos, inclusivamente de trabalhadores altamente qualificados, colocando em causa a competitividade migratória em Portugal. Esta situação tem proporcionado o aparecimento de inúmeros hackers que publicitam a venda ilegal de agendamentos nas redes sociais. É urgente eliminar a linha telefónica e criar uma plataforma que permita o agendamento online semelhante à do IRN utilizada pelos cidadãos portugueses para agendar o pedido de cartão de cidadão.

Considerando que nos últimos anos entraram mais de 300 mil estrangeiros em Portugal e que as lojas AIMA atualmente existentes não têm capacidade de resposta para o atendimento de biométricos de pedidos de visto, sugerimos que o processo de atendimento seja descentralizado pelos Municípios e Juntas de Freguesia. Para tal é fundamental a aquisição de mais máquinas para recolha de dados biométricos para as quais existe financiamento europeu.

Também é urgente desbloquear a renovação dos títulos de residência. De acordo com a legislação em vigor, as renovações dos títulos de residência passaram para o IRN. Sucede que quando a reforma entrou em vigor em Outubro de 2023, as renovações foram inicialmente adiadas para Dezembro porque “o sistema não permite efectuar o serviço”. O site do IRN (o Instituto dos Registos e Notariado) tem a responsabilidade da renovação dos Títulos de Residência. Contudo, esta opção apenas esteve disponível entre Janeiro e Março de 2024.  Desde meados de Março de 2024 não é possível proceder às renovações porque o procedimento foi alterado, a AIMA ficou de remeter a ordem cronológica ao IRN contudo até agora nada aconteceu. A não renovação do Título de Residência tem um impacto gravíssimo na vida dos cidadãos estrangeiros que não se podem deslocar para cumprir com compromissos profissionais e pessoais. Permitir que as renovações dos títulos de residência sejam realizados pelo Instituto dos Registos e Notariado não garante a segurança da análise dos processo.

Por fim, uma mensagem de esperança, considerando que praticamente 10% da população é estrangeira, Portugal precisa de uma Agência com o foco na elaboração de políticas publicas migratórias e a AIMA ainda vai a tempo de o ser. É imperativo fazer uma nova análise das necessidades do novo perfil de imigrantes que entrou em Portugal e delinear um novo alto comissariado com competências específicas para os novos problemas.

Relativamente à divisão da gestão de fronteiras por 4 entidades diferentes (PJ, PSP, GNR e UCFE). A gestão de fronteiras não pode ficar à mercê dos egos de diferentes forças policiais que até agora não conseguiram integrar as suas bases de dados para desenvolver as novas funções. É necessário centralizar toda a gestão de fronteiras numa só força policial e recomeçar uma nova era de gestão de fronteiras em Portugal.