Gostava de poder analisar seriamente o Programa Nacional de Reformas. Não posso. Porque não há reformas no documento enviado para a Assembleia da República. Há apenas intendência. O que resulta de uma leitura necessariamente apressada, é uma lista de medidas longa, como longa pode ser uma lista de mercearia, mas onde nada configura a vontade de reformar o país – ou de continuar a reformar, pois apesar de tudo há reformas que já se tinham iniciado.

Há problemas de sustentatibilidade da Segurança Social? São omitidos, antes se acrescenta despesa à despesa. Há dificuldade em manter este modelo de Serviço Nacional de Saúde? O tema é tabu, pois é proibido questionar este modelo de financiamento do SNS. Constata-se a persistência de um mercado de trabalho marcado pela segmentação? Promete-se mais fiscalização. É necessário requalificar os centros urbanos? Fala-se em recuperar 400 imóveis, 80 por ano, porventura menos do que os que estão a ser recuperados neste momento no Bairro Alto e na Bica, os bairros lisboetas do Observador, em boa parte graças a uma verdadeira reforma, a da lei das rendas.

Podia prosseguir com mais exemplos, mas julgo que é desnecessário. Pegar no programa eleitoral, fatiá-lo em medidas, acrescentar o custo orçamental e pensar que os nossos bloqueios se resolvem com a aposta na Educação (entretanto entregue a um ministro que parece uma marionete nas mãos de Mário Nogueira), a multiplicação de programas de subsídios às empresas (a melhor forma de distorcer a concorrência e prejudicar os verdadeiros inovadores) e uma maior eficiência da máquina pública (acreditando que um novo Simplex é varinha mágica) é continuar a fazer como os cães que correm sempre à volta de si mesmos, perseguindo a própria cauda.

E depois temos ainda o PE, o Programa de Estabilidade, um documento que os nossos governos costumem entregar para não acertar nas previsões, apenas no sonho de um oásis. Desta vez ainda se exagera mais, pois houve documentos anteriores que ainda colavam com a realidade, mas este não. Basta referir que apresenta taxas de crescimento do produto em que ninguém acredita e que não explica cabalmente como paga o que se promete gastar a mais, ao mesmo tempo que também se promete diminuir o peso do Estado da economia.

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As contas não batem certas. Basta pensar no seguinte: se o crescimento da economia este ano, 2016, se quedar pelos 1,1% registados nos primeiros meses do ano, e não nos 1,8% previstos (teimosamente) por Mário Centeno, o produto no final deste ano será 1,25 mil milhões de euros menor do que o previsto pelo Governo. Se isso acontecer, e mesmo que tudo o resto batesse certo no Orçamento de 2016, serão necessárias medidas adicionais de 600 milhões de euros só para manter o défice no valor prometido à Comissão Europeia. Sendo que esse efeito se projecta depois nos anos seguinte, pois parte-se de uma base mais baixa.

Como se vê, qualquer pequeno desvio nas projecções de crescimento tem pesadíssimas consequências orçamentais, pelo que o lado lunático das previsões só se compreende se quem as fez quiser criar a ilusão de que mete o Rossio na rua da Betesga, isto é, que controla o défice quando ele tem tudo (mais despesa e menos receita) para estar fora de controlo.

Dir-se-ia por isso conseguir alcançar os resultados anunciados é como pretender que se consegue resolver a quadratura do círculo. Ou talvez nem isso: é antes uma espécie de milagre da multiplicação dos pães. Só acredita quem quiser, mas suspeito que a Comissão Europeia é capaz de não acreditar.

PS. Já depois deste texto estar escrito puder o parecer do Conselho de Finanças Públicas que acompanha o Programa de Estabilidade 2016-2020. E que o arrasa. Por exemplo: “O conjunto das previsões para o período 2017-2020 apresenta um risco mais elevado de não realização”. Ou: “O PE/2016 tem subjacente a aceleração do crescimento económico de 1,8% em 2016 para 2,1% em 2020, não incorporando os riscos consideráveis existentes no curto e médio prazos.” Ou seja, é um parecer que reforça todas as críticas que estão a ser feitas a este PE.

José Manuel Fernandes é publisher do Observador

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