Stiglitz falou no passado dia 1 de Dezembro sobre igualdade e desigualdade numa Gulbenkian a rebentar pelas costuras. No momento de perguntas e respostas, Stiglitz foi questionado sobre a sua opinião em relação ao TTIP. Além de considerações económicas, Stiglitz apontou o secretismo das negociações, reputando-as de opacas e pouco transparentes.

Vamos por partes. TTIP é o acrónimo de Acordo de Comércio e Investimento entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União Europeia (UE) que se encontra em negociação.

Este texto não desenvolverá considerações económicas. O foco será a transparência das negociações. Antes contudo de entrar nesta questão da transparência, deixam-se alguns dados para enquadrar o tema. O processo negocial do TTIP, iniciado em 2013, tem na sua base avaliações de impacto económico. Estima-se que, depois de entrar em vigor, o TTIP tenha impactos positivos para a economia da UE e de Portugal. O Center for Economic Policy Research concluiu que haverá um impacto económico positivo que poderá conduzir a um aumento médio de 0,5% do PIB da UE, que sobe para 0,66% no caso de Portugal. O European Council on Foreign Relations estima que Portugal será o segundo Estado-membro que mais beneficiará com a entrada em vigor do TTIP. Esta conclusão deve-se, principalmente, ao facto de algumas das mais elevadas cargas tarifárias norte-americanas incidirem sobre sectores em que Portugal é competitivo e em que tem complementaridades com os EUA.

Vamos ao ponto sobre a transparência do processo negocial do Acordo. Muitas têm sido as vozes que criticam a falta de transparência que envolve a negociação do TTIP. Proponho-me demonstrar que nunca a negociação de um acordo semelhante ao TTIP foi tão transparente na história dos acordos celebrados pela União Europeia. A Comunicação da Comissão Europeia mostra bem o esforço que tem sido empreendido para contribuir para um processo negocial cada vez mais claro e transparente. Vejamos.

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1. Desclassificação do mandato.

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia confere à Comissão Europeia poderes para conduzir as negociações de acordos comerciais em nome dos Estados-membros, “no âmbito das directrizes que o Conselho [leia-se: Estados-membros] lhe possa endereçar” (artigo 207.º, n.º 3, do referido Tratado). Não se trata por isso de um cheque em branco que os Estados-membros outorgam à Comissão. A Comissão está limitada pelas directrizes conferidas pelos Estados-membros no âmbito de um processo negocial específico. O TTIP não é excepção. O documento que endereça estas directrizes à Comissão foi aprovado pelos 28 Estados-membros da UE numa reunião do Conselho dos Negócios Estrangeiros em 14 de Junho de 2013 e foi com base nele que a Comissão foi mandatada para iniciar e conduzir as negociações com a contraparte norte-americana. Este mandato inclui directrizes orientadoras sobre a natureza e o âmbito do Acordo, os seus princípios gerais e objectivos, apresentando e balizando os seus três elementos-chave: a) acesso ao mercado; b) questões regulamentares e barreiras não pautais; e c) regras (incluindo direito de propriedade intelectual, comércio e desenvolvimento sustentável).

Na história das negociações comerciais da UE, estes mandatos têm sido confidenciais e de circulação restrita entre a Comissão e os Estados-membros. Fruto da redefinição da estratégia de transparência, a negociação do TTIP alterou profundamente o procedimento e o mandato foi desclassificado em 9 de Outubro de 2013, passando a estar livremente disponível para consulta pública e online. Sabemos, portanto, à partida quais as linhas com que a Comissão pode coser o Acordo. Questionável, sim, a bondade desta medida do ponto de vista de estratégia negocial. Em termos de transparência, porém, consegue-se com dificuldade vislumbrar características de opacidade ou secretismo negocial.

2. Acesso e natureza da informação disponibilizada.

Informação pormenorizada sobre o Acordo e a sua negociação está disponível para consulta pública, quer no site da contraparte norte-americana, quer no site da Comissão Europeia em todos os formatos e para todos os gostos. Basta querer consultar e está lá tudo. Online pode encontrar-se o ponto de situação das negociações, o resultado das rondas negociais realizadas até ao momento, o esqueleto do Acordo e a descrição das matérias capítulo a capítulo, um Guia para o Leitor, um Glossário, blogs, press releases, artigos, notícias e o resultado de consultas públicas entretanto realizadas.

Mais recentemente a Comissão Europeia disponibilizou position papers com a orientação europeia sobre cada uma das matérias em negociação, bem como as propostas de redacção do articulado do Acordo, permitindo o escrutínio do seu texto numa versão próxima da final. Estão igualmente disponíveis e em permanente actualização fichas pormenorizadas sobre cada uma das matérias em discussão, bem como declarações, intervenções e discursos da Comissária responsável pelo Comércio, Cecilia Malmström, e Michael Froman, o interlocutor norte-americano. Encontramos o rol de eventos passados e futuros para debater e escrutinar o Acordo.

Mais. Em 2014, foi formado do lado europeu um grupo consultivo específico para o acompanhamento das negociações do TTIP que integra peritos que representam um amplo leque de áreas e de interesses sectoriais (desde protecção do ambiente, saúde, passando pela defesa do consumidor e dos trabalhadores). Este grupo tem a missão de se pronunciar sobre as diferentes matérias do Acordo, funcionando como um braço consultivo da Comissão Europeia. A ordem de trabalho das reuniões deste grupo de trabalho, bem como todos os relatórios produzidos são públicos e estão à distância de um clique.

3. Acesso aos textos consolidados do TTIP pelos membros do Parlamento Europeu.

No dia 1 de Dezembro foi dado mais um passo em prol da transparência das negociações. Comissão Europeia e Parlamento Europeu concluíram um acordo que permite a todos os eurodeputados aceder aos textos consolidados do TTIP. Isto não significa que até ao momento esse acesso não fosse permitido. Pelo contrário. O acesso era permitido, mas apenas a um número restrito de eurodeputados (cerca de 30) e em termos limitados. As novas regras de acesso aos documentos vêm agora permitir a consulta por todos os membros do Parlamento Europeu a todos os textos em negociação, incluindo os textos com as propostas norte-americanas. Os documentos serão disponibilizados numa sala própria no edifício do Parlamento Europeu, podendo os eurodeputados tirar notas e usar a informação para sustentar as suas posições técnicas e políticas. Este acesso não deixa, contudo, de estar sujeito a procedimentos de confidencialidade, desejáveis em qualquer processo negocial.

Pode-se concordar ou descordar da bondade de acordos comerciais e de investimento, como o TTIP ou outros acordos com a mesma natureza celebrados entre a União Europeia e suas contrapartes. Pode-se concordar ou descordar da bondade da estratégia negocial, técnica, económica, social ou geopolítica. Quanto aos epítetos sobre o secretismo e a opacidade das negociações, a margem para se descordar – se existente – não pode deixar de diminuir à medida que se aprofunda e desenvolve a estratégia de transparência adoptada em torno da negociação do Acordo. E ainda bem que assim é.

Advogada, especialista em mercados de capitais