De uma proposta recentemente apresentada no âmbito da discussão do programa de governo, nasceu o debate público em torno dos novos modelos de organização do trabalho. A reflexão centra-se sobre o uso de modelos híbridos de trabalho presencial e teletrabalho nos diferentes setores da economia e sobre a redução da semana de trabalho de cinco para quatro dias.
Indo mais longe que a proposta original, o Governo anunciou a sua intenção de avançar com um programa-piloto para testar no terreno os efeitos de uma semana de trabalho reduzida. O objetivo passa por avaliar, com base em dados reais, o impacto que a redução do horário de trabalho terá nos trabalhadores, nas suas famílias, no absentismo, na produtividade das empresas e nos seus custos operacionais.
O programa a implementar em Portugal ainda não está definitivamente fechado, mas há vários exemplos internacionais que poderão servir de modelo aspiracional, ajudando a antecipar a viabilidade desta medida.
A Islândia e a Suécia foram os primeiros países na Europa a arriscar na implementação de programas-piloto de redução da semana de trabalho. Fizeram-no entre 2015 e 2019, direcionando-os essencialmente à função pública e aos profissionais do setor da saúde. Se na Islândia o programa é hoje dado como um exemplo de sucesso, na Suécia, pelo contrário, o projeto não atingiu o sucesso expectado, tendo sido descontinuado.
Na Bélgica existe já legislação em fase de aprovação, que se estima que entre em vigor a breve trecho. O Governo iniciou um processo de negociação tendo em vista a definição de um novo pacote laboral que condense a semana de trabalho em quatro dias, sem que se verifique a redução do número de horas trabalhadas. Ficarão sujeitas a este regime todas as empresas, à exceção das que se oponham por motivo atendível.
O Reino Unido encontra-se atualmente a testar a redução da semana de trabalho, sem aumentar o tempo efetivo de trabalho nem reduzir a massa salarial dos colaboradores. É uma experiência que decorre entre junho e dezembro deste ano, envolvendo cerca de três mil trabalhadores com vínculo profissional a mais de 60 empresas.
Em Espanha, os pormenores da operacionalização do programa ainda não são completamente conhecidos, mas as versões preliminares apontam para que que o Estado financie entre 150 e 200 empresas que se disponham a colocar em prática a redução do horário de trabalho em pelo menos 10% durante dois a três anos, devendo o Governo espanhol, em contrapartida, suportar entre €2 e €3 mil por trabalhador.
Questões como a reorganização do tempo de trabalho, a conciliação entre trabalho e família, a adoção do teletrabalho em regime de permanência e a semana de quatro dias têm vindo a ganhar força no debate internacional sobre o mercado de trabalho.
Ora, se, por um lado, a flexibilização do trabalho visa promover o bem-estar e aumentar os índices de satisfação dos trabalhadores, por outro, este novo modelo deve também acompanhar o workflow das empresas portuguesas, sob pena destas serem estranguladas pela introdução de modelos disruptivos sem adesão à realidade da economia.
Na atual conjuntura, com uma economia fragilizada por dois anos de pandemia e mais recentemente por uma guerra em território europeu, descapitalizada e asfixiada pela crescente taxa de inflação, é fundamental não perder o foco sobre o que é verdadeiramente essencial para o tecido empresarial português. Desagravar a carga fiscal sobre o trabalho e sobre as empresas, apoiar o investimento, reforçando as linhas de crédito de apoio à tesouraria, e eliminar uma teia de procedimentos burocráticos e administrativos que dificulta o processo de modernização e crescimento das organizações, isso sim, deve estar no centro do debate e das intenções governativas.