Um dos filmes mais conhecidos da Disney chama-se Monstros e Companhia. O cenário é um lugar habitado pela mais diversa variedade de seres monstruosos e cujo dia-a-dia depende de uma fonte de energia particular: gritos de crianças. A partir de uma formação criteriosa, os monstros mais assustadores são responsáveis por amedrontar crianças enquanto estas dormem. O volume e a intensidade do grito é, posteriormente, armazenado e convertido em energia. Quem é capaz de cumprir este trabalho com mais competência é um herói a todo o pano: conhecido, louvado, celebrizado.

Ora, longe vai o tempo de se considerar que um filme de animação é um filme infantil, na pior asserção da palavra. Daí que Monstros e Companhia pode ser muito mais do que uma história para entreter. De longe, ou de perto, ela parece assemelhar-se mais a uma parábola da condição política da humanidade atual.

Tal como mostra o filme, toda a sobrevivência da nossa vida comum parece ser alimentada pela volumetria dos gritos que estes “heróis” são capazes de retirar das crianças. O seu trabalho não é ajudá-las a sonhar, nem é compensar as suas necessidades afetivas, é simplesmente um: assustar, criar um clima de medo, surpreendê-las para instigar pesadelos e assombros. Existe-se na medida em que se é contra alguma coisa, em que se tenta destruir, em que o fuzilamento final é a solução. E, no final, todas as medalhas que os monstros ostentam são fruto dos tormentos causados pelo condecorados aos inocentes.

Na Alice no País das Maravilhas, Lewis Carroll dedica o terceiro capítulo à simulação fantasiosa de uma corrida eleitoral. A regra geral é não existirem regras, excepto a obrigatoriedade de se correr em círculos. Meia hora depois do início, todos ganham e todos recebem prémios. Os participantes, um doce. Alice, que os distribuiu, um dedal. E, é do mesmo sentimento de absurdo e de aleatoriedade que Alice sente, diante da cena, que nasce muita da violência das notícias que lemos. E, não compreender isto é viver dentro de uma redoma de vidro. Dentro da bolha, como mediaticamente se diz.

Geralmente, os adolescentes gostam de citar o poema que termina dizendo, “não sei para onde vou, mas sei que não vou por aí”. De facto, isso é muito bonito em jovens. Mas, extremamente preocupante em adultos, principalmente, quando estes têm responsabilidades sociais. Não se saber para onde se vai, mas, simultaneamente, recusar-se a ir a qualquer lado, não é o reflexo da liberdade ou da rebeldia, é o resultado final de quem vive consumido pela ideologia, qualquer que ela seja, e não é capaz de priorizar a realidade e a humanidade sob as ideias.

Não por acaso, como já chegou a alterar o Papa Francisco, “a melhor maneira de dominar e avançar sem entraves é semear o desânimo e despertar uma desconfiança constante, mesmo disfarçada por detrás da defesa de alguns valores”. Em especial, quando “a política deixou de ser um debate saudável sobre projetos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e o bem comum” e se limita “a receitas efémeras de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro. Neste mesquinho jogo de desqualificações, o debate é manipulado para o manter no estado de controvérsia e contraposição”.

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