Cometeu suicídio na prisão de Westville (Leste da África do Sul), a 13 de maio de 2022, sem quaisquer proteção e ajuda do seu próprio país, que falhara em novembro 2008, quando o Banco Privado Português, a entidade dirigida pelo banqueiro João Rendeiro, ora falecido, atolado em graves problemas financeiros, pediu auxílio ao Estado no valor de 750 milhões de euros. E voltou de novo a falhar, em não lhe prestar a devida proteção consular, na estrita observância da lei, inteirando-se das suas necessidades mais prementes, visitando-o regularmente, a fim de tomar conhecimento das suas condições carcerárias e do seu estado de saúde física e mental, entregando-lhe se necessário bens de primeira necessidade e medicamentos prescritos por médico.

Estas são as obrigações dos Estados face aos seus nacionais, quando eles se encontram detidos em estabelecimentos penitenciários estrangeiros, e o mínimo que se pode (e deve) esperar desses mesmos Estados é que cumpram as suas obrigações.

Hoje em dia, em tempos de desordem das instituições, estar preso constitui um combate mental e físico pela sobrevivência. Morre-se violentamente nos recreios, nos refeitórios ou nas próprias celas, seja em consequência de ferimentos provocados por armas brancas, seja por enforcamentos espontâneos ou instigados.

João Rendeiro, tinha tudo para acreditar que não iria ser extraditado para Portugal. Os Estados são obrigados a conceder a extradição de um criminoso estrangeiro apenas se houver um tratado internacional com o Estado que solicita a entrega. Quando não há tratado, o Estado requerido tem poderes para concordar com a extradição, mas não é obrigado a autorizar.

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A base jurídica não se afigurava nem sólida nem segura para o Estado Português, porque não existe qualquer acordo bilateral de extradição com a África do Sul, mas antes um mero acordo sobre cooperação no domínio policial. Tal inexistência faz com que todo o processo judicial obrigue a uma interpretação sistemática da legislação nacional e internacional sobre a matéria, o que demoraria vários anos até haver uma decisão definitiva e, até lá, João Rendeiro ficaria com residência fixa naquele país africano, possibilitando-lhe exercer a sua atividade de consultor financeiro.

E mesmo que ao fim de quatro ou cinco anos houvesse uma decisão de extradição, podia manifestar a vontade de cumprir o restante da sua pena na Africa de Sul, pais de residência e não no país onde fora condenado, desde que o Estado de acolhimento aceitasse.

O último relatório anual do Conselho da Europa – conhecido pelo acrónimo de SPACE (Statistiques Pénales Annuelles du Conseil de l’Europe) –, cuja elaboração pertenceu à Universidade de Lausanne, e que atualizou as estatísticas penitenciárias e penais a 31 de janeiro de 2021 dos 47 Estados que o integram, diz-nos que a percentagem média europeia de ocupação por cada 100 celas é de 82,5 % de presos, e que Portugal, tem 88,3% de ocupação.

Ora, ainda segundo o mesmo relatório, 19,9% dos detidos em estabelecimentos prisionais não tinham ainda uma sentença condenatória definitiva, por se encontrarem aguardando o resultado dos respetivos recursos. Falamos em qualquer coisa como 2.273 pessoas de uma população prisional que então totalizava 11.412. Porém, 75,7% dos detidos (1.721) não tinham ainda sido julgados em primeira instância, encontrando-se, portanto, em situação de prisão preventiva.

A taxa de mortalidade média europeia é de 33,1% por cada 10. 000 presos. Portugal teve uma taxa de 65,7%, foram 53 mortes em 2021, números excessivamente elevados, que demonstram, a fragilidade do nosso sistema prisional, assente na prisão preventiva excessiva e abusiva.

O juiz nem sempre mede as consequências de enviar de um suspeito da prática de crime para um estabelecimento prisional; analisa os factos indiciários em poucos minutos, sabe que não possui informação suficiente, nem tempo. Decide quase automaticamente, sem um relatório individual sobre a personalidade do suspeito e o seu enquadramento profissional e familiar. Sente-se sempre que a prisão preventiva é um meio de coação para que o suspeito colabore com a investigação. Esquece-se os direitos humanos e a regra imposta pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a pessoa presa preventivamente tem direito a ser julgada num prazo razoável, e por cá a prisão preventiva pode chegar a dois anos e seis meses sem que tenha havido condenação em primeira instância.

A prisão preventiva condiciona a preparação da defesa, o contacto com o advogado é mínimo, no estabelecimento prisional, sujeito a curtos tempos e a fraquíssimas condições de reunião,  o acesso à prova judicial carreada para os autos por parte do detido é quase inexistente, e quem vai preso para a audiência de julgamento está mais próximo de ser condenado em pena de prisão. A soma de todos estes motivos traduz-se num sistema de justiça que não preserva as garantias.

Morrer numa prisão, seja em Portugal, seja no estrangeiro, nunca advém consequências, quase sempre os relatórios forenses indicam morte natural ou suicídio. Nunca o Estado que prende assume responsabilidades.

Danijoy Pontes, de 23 anos de idade, e Daniel Rodrigues, de 37 anos de idade. Ambos morreram na manhã de 15 de setembro de 2021, com minutos de diferença, no Estabelecimento Prisional de Lisboa. Danijoy não tinha qualquer antecedente criminal e foi condenado a seis anos de cadeia por furto de um telemóvel por esticão em transporte público. Ficou onze meses em prisão preventiva. Por seu turno, Daniel tinha um implante de uma válvula aórtica e era epilético. Sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), segundo relato da autópsia médico-legal.

Um e outro morreram, como irão morrer muitos mais presos nas prisões, nossas ou estrangeiras, sem culpas e sem consequências para ninguém. Afinal, lá bem no fundo, não passavam de delinquentes…