1 Mudar ou não mudar, eis a questão. Não há outra. Acordar na segunda feira e ter mudado. De vez. Não sei o que vai na cabeça dos indecisos (deve ser horrível ser indeciso) e não lhes queria estar na pele. Mas espantará qualquer ser normalmente constituído que haja ainda quem hesite em mudar. Sabendo-se quanto a hesitação valsa por entre fantasmas de papel ao som de música requentada: o PS não tem feito outra coisa que não seja brandir datas fora de prazo (2011/2015), recheá-las com mentiras e falsos anúncios de repetição e atirá-las à cara do eleitorado do seu único adversário, a AD. Como alcance eleitoral é confrangedoramente modesto, como argumento é obsessivo, como estado de ânimo é porém eloquentíssimo: têm tão pouco mais para oferecer ao país? (Além de que é preciso ter algum cuidado com a memória, às vezes é perigosa: há outros que também estiveram, também viram, também se lembram).

Igualmente surpreenderá qualquer pessoa comum que nunca se descodifique o fundo e a forma da campanha socialista. Que estratégia? Que rumo? Com quem? Não sabemos. Percebe-se que quadraturas do círculo não são para qualquer um: Pedro Nuno Santos não tem sido capaz do impossível: de, tendo estado dentro do governo, esconder o que não fez , disfarçar o que fez e convencer de que agora, agora sim, fará.

Não tendo o candidato socialista poderes de prestidigitação para sendo o mesmo deixar de ser o mesmo, o país teria que recorrer a prodigiosos níveis de entre-ajuda para aceitar tamanha inverosimilhança. Não sei se será possível.

Saldo socialista: uma semana a tropeçar em (contraditórias) explicações politicamente mal amanhadas sobre a “governabilidade”; depois, dias inteiros a reagir – acusando e deturpando – mas só reagindo; e depois… António Costa, claro, who else? Vamos vê-lo mais vezes? Dilema para o actual líder: se sim, é uma prova de pedido de socorro; se não, as despedidas da campanha serão pálidas e desenxabidas mesmo que tudo se faça para que não pareça.

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2 Luís Montenegro esteve mais de um ano sob suspeita: estava feito com o Chega, ia coligar- se com o Chega, governar com o Chega, casar com o Chega. Durante uma eternidade ninguém lhe perguntou outra coisa nem lhe deu meio minuto para expressar outra coisa. O PS sabia o que fazia: entregou a encenação da peça parlamentar “Ventura sempre em cena” ao grande Augusto Santos Silva que também sabia o que fazia. Fora do parlamento as televisões fizeram o que puderam que foi muito: durante a mesma eternidade, o Chega foi o mais apetecido cabeça de cartaz de que há memória televisiva. Tudo sobre rodas: Ventura agradeceu esta grátis amplificação de si próprio, o país empobreceu em decência politica, Montenegro que se lixasse. Nós vimos.

Iniciada a campanha, a suspeita virou um cerco. Tudo contra a AD, que ela tem sarna: à velocidade do som, esta AD foi convenientemente “dada a ver” como se fosse a outra, a de 2011/2015 ( a que viria a ganhar as eleições legislativas de 2015); acusada de ir fazer o mesmo como se as circunstâncias fossem as mesmas — bancarrota produzida pelo PS; uma troika chamada pelo PS; e duríssimas condições, negociadas pelo PS — o cerco aperta, fechado sobre denúncias e mentiras. A pobreza de argumentos políticos do PS chega a embaraçar.

Tal como nos truques de prestidigitação (outra vez eles) esfumaram- se- de uma assentada! – os últimos nove anos: politicamente não existiram. Saltou-se no tempo, ora bem. De um lado há uma mistificação desta AD, a de hoje; do outro, um ex-ministro que nunca cumpriu, doublé de candidato que promete “acção”: assente no seu bom amigo Estado, escolhido como o melhor potenciador de acções e bondades governativas, santo Deus. Criação de riqueza, iniciativa privada, saúde das empresas, crescimento económico numa palavra, diz-lhes só assim-assim.

Falando de Estado, ocorreu-me agora que apetecia perguntar ao candidato socialista – e aos outros – que fará para repor a autoridade do Estado, prioridade que deverá ser absoluta de qualquer governo, mesmo dando de barato o medo dos políticos de sequer pronunciaram hoje a palavra “autoridade”. Não fosse vir a família Mortágua — a avó que afinal é uma privilegiada, o pai que afinal nunca estaria preso perpetuamente, a filha que devia pedir emprestados os olhos a Catarina Martins para adocicar o gelo do olhar – brandir o “regresso do fascismo”. (Lembrete: já houve polícias na rua manifestando-se à margem da lei, já houve ameaças ao Estado de direito através da ameaça da não realização de eleições, já houve anúncios (?) de insubmissão vindos das Forças Armadas… Que mais para provar uma real deliquescência da autoridade do Estado como não se via há décadas? Para não lembrar que a Justiça deixou de ser uma instituição confiável e um poder acima de qualquer suspeita mas fiquemos por aqui. A lista seria tão longa, quanto dramaticamente já conhecida).

3 E então, não se muda?