Mais uma morte célebre, para acrescentar à lista das celebridades que desapareceram este ano: Victoria Wood morreu na semana passada, um dia antes de Prince.

Não sei quantos em Portugal a conhecem, não sei se o seu humor muito inglês pode ser traduzido cá. Victoria Wood foi uma comediante, escritora e actriz, e se ainda fosse viva para ler o tsunami de amor que a sua morte gerou esta semana, estaria provavelmente embaraçada, embora ela soubesse o bem que fez, e que todos gostávamos dela. Era uma mulher inteligente e com muita piada e foi uma inspiração para muita gente, incluindo para mim.

LONDON, ENGLAND - JANUARY 25: Actress Victoria Wood attends the South Bank Sky Arts Awards at The Dorchester on January 25, 2011 in London, England. (Photo by Ian Gavan/Getty Images)

A actriz Victoria Wood em 2011 (Ian Gavan/Getty Images)

Ao saber que ela tinha morrido, chorei umas lágrimas quentes. Na minha adolescência, Victoria Wood foi uma entre várias mulheres que nos ajudaram a perceber que o que importava, enquanto mulheres, eram sermos nós próprias e fazermos bem o que gostamos de fazer. Para o diabo com a ideia de que tínhamos todas de ser igualmente magras e bonitas, para o diabo com a necessidade de nos mostrarmos sempre muito calmas e púdicas, para o diabo com a conveniência de escondermos os nossos talentos perante um mundo de homens.

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Tenho sorte. Graças em parte a essas mulheres, sou de um tempo e de um sítio onde às raparigas era permitido falar alto e serem parvas, ou seja, onde nos permitíamos a nós próprias ser assim. Podíamos rir alto, ter piada, ser toscas (excepto em alturas más, como durante entrevistas para emprego e tal). Com Victoria Wood, morreu uma das pessoas que foi um modelo para milhões de mulheres sem ser um maldito manequim, e que nos ensinou a todas que podíamos fazer muita coisa, ter piada, sermos amadas, sem termos de nos confinar à ideia muito estreita do que é ser mulher.

Há uma coisa que me incomoda em Portugal. É que acho que há demasiadas mulheres que se contêm excessivamente, para caberem na ideia do que é ser mulher. Oiço aqui muito menos mulheres a falar alto, a gargalhar à bruta, a gritar de alegria, a contar anedotas estúpidas — do que oiço em outros países. Demorei algum tempo a reparar nisto (porque estava eu própria a falar alto e a contar anedotas estúpidas, e por isso não ouvi o silêncio à minha volta), mas as mulheres cá, parece-me a mim, portam-se “melhor”, são mais decorosas, mais quietas.

Se calhar é assim com toda a gente em Portugal, mulheres e homens. Se calhar é uma coisa muito portuguesa não gritar (a não ser os estudantes bêbedos no Bairro Alto). Mas reparo nas mulheres, porque sou mulher, e gostava que pudéssemos todas divertir-nos e ser o que queremos nesta vida curta. Enquanto, como é óbvio, há muitas que preferem a tranquilidade, aposto que também há muitas que gostariam de se rir, e rir até os dentes lhes caírem da boca. Sim, é difícil parecer bonita enquanto se mostra o céu-da-boca ao mundo, mas que mal tem?

Não devia fazer diferença, mas ainda vivemos sob esta tirania estúpida da beleza e do decoro femininos – de facto, acho que essa tirania está a piorar. Podemos não nos conformar activamente com essa coisa da beleza, podemos rebelar-nos contra esse padrão, mas as nossas vidas serão condicionadas por esse ideal enquanto toda a gente achar (ou perpetuar) o mito de que é preciso usar raparigas magras e bonitas para vender qualquer treta, e nos bombardeiam a cada minuto de cada dia com um tipo de beleza que não é a nossa.

Peço desculpa, Sr. Decoro, mas não sou capaz de NÃO me rir de alguma coisa que tem piada e não tenho muito jeito para seguir protocolos. Apanho com olhares desaprovadores às vezes – e olhares de pena, outras vezes — de pessoas (de todas as idades e classes) e infelizmente de muitas mulheres, sempre que me acontece falar mais alto ou os meus sapatos são demasiado coloridos para uma mulher de 40 e tal anos. Devia parar e perguntar porquê, mas estou ocupada a falar alto e a divertir-me nos meus sapatos.

Mais preocupante, e triste, é a ideia de que os “rapazes ficam excitados com as mulheres que são desinibidas e engraçadas, mas não se casam com elas, porque preferem as mais calminhas e púdicas”. Foi o que me disseram algumas pessoas, incluindo miúdos de liceu. A sério? Ainda?

A. Meninos, cresçam.

B. Meninas, riam-se de qualquer maneira, e altamente, se quiserem. Vão viver mais tempo e assim, vão ter mais tempo para encontrar alguém que ame a pessoa que vocês são.

Espero que a Victoria Wood me desculpe por ter usado a sua morte para encorajar as mulheres a serem elas próprias e a rirem-se mais. Mas acho que ela concordaria.

(Traduzido do original inglês pela autora)

Women, laugh more!

To add to the growing list of very dearly loved famous people who have died since the beginning of the year, Victoria Wood died last week, the day before Prince.

I don’t know if many of you knew her, I have no idea if her very English humour translated at all to here. It doesn’t matter. I just wanted to tell you that there was a woman who was a funny and clever role model for, well, me. Victoria Wood was a comedian, a writer, and actress and if she were alive to read the outpouring of love that is going her way this week from all the people in Britain she would be mortified with embarrassment, although she damn well knew what she did and that we loved her.

And damn it, she’s dead, and I wept a genuine hot tear when I heard the news. She was one of a handful of women when I was growing up who proved that just being you, being a woman and doing what you’re good at, is good enough, whatever it is. To hell with being thin and pretty, to hell with being quiet and decorous, to hell with hiding your light under a bushel in front of a damned world full of men.

I’m lucky. Thanks in part to those women, I come from a time and a place where girls were allowed to be loud and silly, or rather, allowed ourselves to be loud and silly. We could laugh like our lives depended on it, be funny, be rude (apart, of course, from job interviews and such). And there goes one of the few beautiful souls who was a role model for millions of women without being a bloody model, who said you can do anything, you can be funny, you can be loved, and you don’t have to fit in the weirdly narrow idea of what womanhood is.

Something that bothers me about here, Portugal, is that I feel that a lot of women contain themselves too much, so that they fit into the even narrower idea that is Portuguese womanhood. I hear far fewer women being loud, laughing, guffawing, shrieking with joy, telling stupid stories than I do elsewhere. It took me a while to I notice it (because I was being loud and silly and telling stupid stories, and didn’t hear the deafening silence around me), but women seem to behave “better” in Portugal, with more decorum, and it’s too quiet.

Maybe it’s both men and women. Maybe it’s just a Portuguese thing not to be too loud in public (and I don’t mean when you’re steaming drunk student in Bairro Alto). I notice the women, though, because, well I am one, and want us all to be having fun and being what we all want to be in this short life, and while of course some people like to be quiet, I bet there are many who want to just be throwing their heads back and laughing till their teeth fall out. Yes, it is hard to be pretty when you are showing your uvula to the world, but why does that matter?

It shouldn’t matter, but we still live under this stupid tyranny of beauty and prettiness and decorum – in fact, I think it’s getting worse. We might not actively conform to the beauty thing, we might rebel against it, but our lives are conditioned by it for as long everyone believes (or perpetuates) the myth that you need beautiful thin girls to sell crap to people and bombard us every minute of every day with someone else’s idea of beautiful. Have a look around.

I’m sorry, decorum, but don’t have it in me to NOT laugh when something is funny, and I’m not very good at protocols. I get odd looks sometimes, pitying looks at other times, and horrified looks at other times, from people (of all classes and ages) and sadly, often from women, if I am a bit loud, or my shoes are a bit funny looking for a woman in her mid forties. I should stop and ask them why, but I’m too busy being loud and brash and wearing ridiculous shoes.

Most worryingly, and sadly, and I’m paraphrasing several people with whom I have spoken about this, “the boys/men get skittish around the funny or loud girls, but they don’t marry them, they marry the quiet ones”. This from school aged kids and upwards. Really? Still?

A Boys, grow up.

B Girls, laugh anyway, loudly, if you want to. You’ll live longer for it, and you’ll have more time to find someone who will love you for the human being you are. Regardless of who you are.

I hope Victoria Wood would forgive me for hijacking her death to tell women to laugh more and just be themselves. I suspect she would be fine with it.