O relatório de Mario Draghi sobre o Futuro da Competitividade Europeia, entregue há dois dias em Bruxelas, lança um alerta claro: a União Europeia (UE) precisa de uma transformação urgente para manter a sua relevância global. A expectativa era grande, dado que o mesmo irá certamente influenciar a ação da Comissão nos próximos 5 anos. Em termos globais, extrai-se que a UE envelheceu e estagnou. Perdeu competitividade face aos seus diretos concorrentes. Já sabíamos disto, mas Draghi sustenta-o com dados e evidências.

Draghi aponta 4 grandes linhas de ação para o futuro da competitividade da UE. A primeira é reforçar a aposta na Inovação. A segunda, o equilíbrio entre descarbonização e competitividade. A terceira, a necessidade de garantir a soberania europeia dos seus Estados-Membros, onde a defesa assume papel preponderante. A quarta e última, que é transversal a todas as áreas, sublinha a urgência de repensar o orçamento da UE e a forma como se realizam os investimentos públicos, de modo a promover uma União competitiva em todos os seus domínios.

Nesta reflexão, vamos aprofundar o tema da Defesa. Mario Draghi não podia ser mais claro: a indústria de defesa europeia está uma autêntica manta de retalhos. Draghi ilustra um quadro preocupante de uma Europa onde cada país parece mais interessado em proteger o seu próprio quintal do que em colaborar para o bem comum. A base industrial de defesa da UE está altamente fragmentada, com cada Estado-Membro focado em preservar a sua autonomia e capacidade industrial, resultando numa duplicação de esforços e falta de sinergias. A solução? Draghi defende uma maior cooperação entre os Estados-Membros, com uma aposta na consolidação de ativos industriais em setores-chave e na criação de centros de excelência descentralizados pela Europa, apostando na uniformização e no aumento da interoperacionalidade dos equipamentos. O resultado desta cooperação reforçada entre os Estados-Membros, sob a coordenação da UE, será: gastar melhor, produzir mais e tornarmo-nos mais competitivos a nível global.

Um segundo ponto crucial abordado no relatório é a necessidade de aumentar o financiamento público e privado para a inovação e desenvolvimento tecnológico no setor da defesa. Os Estados-Membros, e a UE no seu todo, investem significativamente menos que os seus principais concorrentes, o que se reflete na falta de escala a nível de produção, traduzindo-se na reduzida quantidade de material disponível para uso no teatro de operações da UE e para o abastecimento do mercado europeu. Draghi recomenda a criação de novos e simplificados mecanismos de financiamento da UE para apoiar a inovação tecnológica no setor, nomeadamente através do Fundo Europeu de Defesa (EDF), bem como a mobilização de capital privado com garantias da UE. Neste capítulo, vai mesmo ao ponto de sugerir que nos inspiremos na resposta ao Covid, onde a UE recorreu ao endividamento (bonds) para lançar tanto a compra conjunta de vacinas como o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, com vista a atenuar o impacto económico e social da pandemia. No caso da defesa, o mesmo procedimento servirá para fomentar e apoiar os Estados-Membros a repor e melhorar as suas capacidades de defesa, a curto-médio prazo, sem esforços adicionais dos orçamentos nacionais.

O terceiro aspeto fundamental abordado por Draghi, mas já vastamente estudado, é a necessidade de uniformizar os processos de aquisição e padronizar os equipamentos de defesa entre os Estados-Membros. A atual falta de coordenação resulta no uso pelas forças armadas de múltiplos sistemas, total ou parcialmente incompatíveis, muitos deles adquiridos fora do espaço da UE. Neste aspeto, Draghi segue uma recomendação, previamente apresentada, para a criação de um regime europeu de aquisição preferencial de equipamentos de defesa concebidos e produzidos na UE, que priorize as soluções industriais europeias e fortaleça a sua autonomia estratégica. Adicionalmente, propõe a introdução de um mecanismo de aquisição conjunta para sistemas críticos, visando o desenvolvimento de economias de escala e a redução da dependência de fornecedores externos.

Em conclusão, Draghi identifica, inequivocamente, os problemas, aponta as soluções e deixa a Ursula von der Leyen a liberdade de escolha sobre a forma política de as executar – “A Europa já não se pode dar ao luxo de adiar decisões para preservar o consenso”. Esperamos que em breve, quando for anunciado o colégio de Comissários e as respetivas pastas, a área da Defesa mereça o cuidado e a atenção que os europeus almejam. A UE não está adormecida, mas precisa de um despertar urgente. Este relatório não é apenas um diagnóstico, mas uma chamada de atenção – um grito de alerta! A nossa indústria de defesa requer não apenas uma reforma, mas um verdadeiro renascimento. O tempo de ação é agora!

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