O final de cada ano é marcado por alargadas discussões sobre política orçamental. No entanto, devido à ocorrência de eleições legislativas em outubro, este processo vai ocorrer mais tarde do que habitualmente. Apesar de o Orçamento do Estado para 2020 ainda não ter sido entregue na Assembleia da República, o Projeto de Plano Orçamental já entregue na Comissão Europeia permite antecipar algumas conclusões.
Julgo que a mais importante de todas é que Portugal será capaz de alcançar o equilíbrio orçamental (isto é, défice zero), condição indispensável para a sustentabilidade das finanças públicas. No entanto, este resultado é obtido a partir de uma relativa inércia tanto da receita, como da despesa. Ou seja, apesar de este ser o primeiro orçamento de uma nova legislatura, parece não haver grande ambição em transformar a nossa estrutura orçamental. Isto traduz-se numa escolha deliberada em manter o peso do Estado na economia, interrompendo o caminho prosseguido na redução da despesa pública entre 2010 (51,9% do PIB) e 2018 (43,5%). Em minha opinião, tal caminho é um erro.
Primeiro, por motivos de médio e longo prazo. Este “comodismo” do lado da despesa deixa-nos numa situação de fragilidade futura. Portugal encontra-se num período de expansão económica, em que a receita tem sido impulsionada por uma composição favorável do crescimento do PIB e do emprego. Tal não acontecerá numa potencial crise económica, em que quebras de impostos e contribuições sociais se tornam inevitáveis. Nestas situações, uma despesa rígida como o nossa tenderá a manter-se, conduzindo a perigosos défices orçamentais para os atuais níveis de dívida pública.
Segundo, por questões de curto-prazo. Hoje a despesa pública em Portugal é ainda demasiado elevada face ao nível de riqueza produzida. De acordo com os últimos dados publicados pela Comissão Europeia, espera-se que em 2020 esta se mantenha nos 43,4%. Apesar ser um valor abaixo da média europeia de 45,9%, este resultado continua desproporcionado face ao nosso nível de rendimento. Note-se que o nosso PIB per capita é de apenas 24.000€, substancialmente abaixo dos quase 32.000€ da União Europeia. Ou seja, apesar de o Estado gastar 95% da média europeia, conseguimos produzir apenas cerca de 75%. Não dispomos assim de um rendimento suficientemente alto para suportar o nível de despesa pública que temos.
É importante clarificar que esta relação é amplamente documentada na literatura económica, tendo sido inicialmente identificada por Adolph Wagner em 1911. Segundo este, o crescimento económico de um país tende a ser acompanhado por um peso crescente do Estado na economia (medido pelo peso da despesa no PIB). Este aumento é justificado, por exemplo, por maiores gastos com avanços na Ciência e Tecnologia (caso dos cuidados de saúde) ou pela expansão das funções do Estado (caso das prestações sociais).
Ao estabelecer uma lei de Wagner para os diferentes países europeus, os dados sugerem que, apesar da melhoria dos últimos anos, Portugal continua com uma despesa pública aproximadamente um ponto percentual acima do nível que seria de esperar dado o seu rendimento. Como esta comparação é realizada no contexto europeu, parece ser possível baixar a despesa pública em cerca de 2.000 milhões de euros, mantendo ao mesmo tempo a matriz base do modelo social existente.
Mas agora o leitor terá a sua questão — como é possível reduzir ainda mais a despesa pública? Há fundamentalmente duas vias. Uma conjuntural, através de cortes “ad hoc” forçados e distribuídos pela máquina do Estado sem aparente racionalidade – as já famosas “cativações”. Outra de caráter estrutural, com uma estratégia reformista a médio e longo prazo. E aí não tenhamos ilusões: será inevitável afetar os grandes agregados da despesa pública. Cerca de dois terços dos recursos são despendidos em prestações sociais (42%) e salários (25%), portanto qualquer trabalho sério terá de passar necessariamente pela revisão e reorganização das funções sociais do Estado.
A despesa pública ainda não é suficientemente baixa. Mas a via das reduções incrementais parece esgotada. Uma diminuição na escala necessária só é possível através uma profunda reforma do Estado. Porém, temos de estar dispostos a fazer escolhas difíceis, reestruturando de modo profundo a forma como os serviços públicos são prestados às populações (ou mesmo abdicando de alguns deles). Não fazer nada, significa continuar a suportar o atual nível de impostos para financiar a despesa existente.
Tiago Espinhaço Gomes tem 33 anos e é consultor de serviços financeiros na Oliver Wyman desde 2016. Anteriormente foi economista no Conselho das Finanças Públicas (2013-2016), assessor do ministro das Finanças durante o programa de ajustamento económico (2011-2013), e consultor de gestão na McKinsey & Company (2009-2011). É licenciado em Economia pela Faculdade de Economia do Porto.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.