Em 2018 Portugal atingiu o equilíbrio orçamental, concluindo o processo de consolidação iniciado em 2010. Independentemente da qualidade do ajustamento (que nos últimos anos me parece bastante questionável), é um facto que conseguimos eliminar o défice orçamental (excluindo efeitos temporários). Agora que a receita e a despesa estão finalmente alinhadas (em ~43% do PIB), é ainda mais importante discutir a sua composição. Assumindo que o nível de despesa é o adequado (o que discordo), qual será o tipo de impostos mais eficientes para a financiar?

Importa começar por desfazer um mito frequentemente citado: “os impostos em Portugal são elevados”. Os dados da Comissão Europeia (Taxation Trends 2019) permitem uma análise objetiva: a carga fiscal na União Europeia alcança os 39,0% do PIB enquanto em Portugal fica-se pelos 34,4%, colocando-nos a meio da tabela (16º em 28 países). O que nos leva então a ter esta percepção errada? Julgo que tal se explica por uma distribuição muito desigual da carga fiscal pelos contribuintes. De seguida foco a análise nos  impostos sobre o trabalho e consumo, que representam ~80% da receita fiscal (tanto em Portugal como na UE), deixando de lado os impostos sobre o capital e património.

Comecemos pela carga fiscal sobre o trabalho, que inclui impostos e contribuições do empregado e do empregador para a Segurança Social (isto porque equivale a rendimento recebido, caso não fosse coletado pelo Estado). Mais uma vez, a comparação Europeia é interessante: em 28 países, estamos na 18ª posição quanto ao seu peso no PIB (14,5%). Mas ao analisar a taxa implícita paga em média pelos contribuintes (~29%), Portugal baixa para número 24, havendo apenas 4 países com impostos mais baixos.

Dados estes números, provavelmente o leitor está a perguntar-se: “como é que isto é possível, se eu pago tantos impostos?”. A resposta está na progressividade do nosso sistema fiscal: quanto maior o rendimento, maior a percentagem relativa que se paga de IRS (definida pelos vários escalões). Isto faz com que “ricos” suportem a larga maioria do imposto: cerca de 80% do imposto liquidado é suportado por apenas 20% dos contribuintes (cálculos do CFP). E entretanto responderá o leitor: “mas eu não sou rico, pertenço à classe média”. Lamento informá-lo, mas o salário médio em Portugal é de apenas 1133€ brutos (dados do Pordata). Portanto o mais provável é que seja “rico” e suporte uma taxa de imposto elevada – isto para que a maioria da população possa pouco ou quase nada pagar.

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É possível comparar a progressividade do nosso sistema através um estudo recente da OCDE (Taxing Wages 2019), onde se avalia a taxa média paga em função da posição na distribuição salarial. Por exemplo, um indivíduo solteiro que ganhe o rendimento médio em Portugal, está no top 14 de impostos mais elevados (em 36 países). Mas se ganhar 67% acima da média, já sobe para a 10ª posição. E se avaliarmos a taxa marginal desse mesmo indivíduo, subimos para 6º lugar (com 58%). Quer isto dizer que se o leitor for “rico” por ter um salário bruto de 1900€ (cerca de 1500€ líquidos), e a sua empresa quiser pagar-lhe 100€ por um dia de trabalho extraordinário, 60€ vão para o Estado e apenas 40€ para si. Será que vale a pena este esforço adicional?

É assim claro que o nosso sistema fiscal é dos que mais prejudica os rendimentos mais elevados, o que levanta dois problemas fundamentais. Primeiro, como vimos, é fortemente desincentivador do trabalho, numa franja de pessoas que tipicamente desempenham tarefas de maior valor acrescentado. Segundo, aumenta o risco de deslocalização internacional destes recursos (que por natureza já são mais móveis): o leitor terá mais facilidade do que um operário fabril em deslocar-se para o Espanha onde, além de maiores oportunidades profissionais, consegue usufruir de taxas de imposto mais reduzidas. Não é por acaso que a atração de talento para Portugal seja através de incentivos em sede de IRS.

Passemos aos impostos sobre o consumo, nos quais o IVA representa a maior fração. Mais uma vez a nossa percepção é provavelmente errada. É certo que apenas 5 países europeus têm uma taxa superior aos nossos 23%. No entanto, a nossa taxa implícita de imposto (incluindo álcool, tabaco e energia) fica-se pelos 18.6%, a 8ª mais baixa da UE. Tal explica-se pelo alargado número de bens e serviços sujeitos à taxa de reduzida de 6% (ex: produtos alimentares) ou ainda à taxa intermédia de 13% (ex: restauração). A opção por uma fiscalidade relativamente mais baixa sobre o consumo é particularmente errada, uma vez que a literatura económica amplamente prova que estes impostos são menos prejudiciais ao crescimento económico do que a taxação do trabalho.

Portugal deve portanto caminhar no sentido de recompor a sua base fiscal (a par da simplificação do sistema e do aumento da fiscalização). Primeiro, reduzir os impostos sobre o trabalho, através da diminuição de escalões e redução substancial das taxas sobre os rendimentos mais elevados. Esta medida pode ser financiada através do aumento dos impostos sobre o consumo, eliminando a taxa intermédia e restringindo ao máximo o número de bens e serviços sujeito à taxa reduzida. Só assim é possível criar um sistema fiscal que promova o crescimento económico, através da atração/retenção de recursos humanos qualificados, incentivo ao trabalho, e aumento da poupança.

Tiago Espinhaço Gomes tem 32 anos e é consultor de serviços financeiros na Oliver Wyman desde 2016. Anteriormente foi economista no Conselho das Finanças Públicas (2013-2016), assessor do ministro das Finanças durante o programa de ajustamento económico (2011-2013), e consultor de gestão na McKinsey & Company (2009-2011). É licenciado em Economia pela Faculdade Economia do Porto.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.