Os últimos dias têm sido fantásticos para António Costa. No sábado, ganhou o campeonato de futebol e venceu a Eurovisão. E como se não bastasse, reclamou ontem mais uma coroa de louros pelo crescimento da economia no primeiro trimestre do ano.

Como dizem? Não foi Costa quem ganhou o campeonato? Não foi ele quem venceu a Eurovisão? De acordo. Mas se não devemos dar a Costa os parabéns pelo primeiro lugar na Eurovisão, só por causa desse pequeno pormenor de ter sido Salvador Sobral quem lá foi cantar, por que razão é que temos de lhe dar os parabéns pelo crescimento económico?

Costa é suficientemente honesto para admitir que não cantou na Ucrânia. Mas no caso da economia, insistirá em que o mérito é seu: foi a sua “reposição de rendimentos”, como ensinou ontem, que operou o milagre. Muito bem. Sabem quando é que ocorreu a maior taxa de crescimento antes do trimestre passado? Exacto: em 2010, na véspera da bancarrota, depois de José Sócrates ter reposto rendimentos no ano eleitoral de 2009. Obter picos de crescimento num trimestre ou num ano não é difícil, nem é garantia contra descalabros. O que é difícil é manter o crescimento ao longo do tempo, sobretudo num país endividado, onde não é possível aumentar salários e pensões todos os anos.

Mas a questão principal aqui não é essa. A questão é saber quem é que teve de executar o programa de ajustamento e diminuir os défices, de modo a habilitar o país a beneficiar do financiamento do BCE. Porque sem isso, não teria havido “devolução de rendimentos” em 2016. Foi António Costa? Não, não foi Costa, tal como não foi Costa quem ganhou a Eurovisão ou quem venceu o campeonato. António Costa aproveitou as condições criadas por Pedro Passos Coelho, que deixou a economia a crescer e o desemprego a diminuir. Foi graças a essa herança, que Costa pôde fazer num ano devoluções que o governo anterior agendara para mais tempo – uma pressa que Costa compensou talhando o investimento público até ao osso.

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Estamos a viver a segunda parte da ilusão nacional: a tese de que a descida do défice, a queda do desemprego, e a melhoria do crescimento económico se devem, única e exclusivamente, à miraculosa “inversão de políticas” de António Costa. Digo “segunda parte”, porque a primeira parte da ilusão vivemo-la entre 2011 e 2015, quando António Costa, os seus actuais parceiros parlamentares e os “verdadeiros sociais democratas” do PSD gritavam que todas a “austeridade” se devia, única e exclusivamente, ao gosto de Passos Coelho em fazer mal aos portugueses.

Há um elemento comum nestas duas partes da ilusão: o desaparecimento dos antecedentes, a eliminação da causalidade. Entre 2011 e 2015, desapareceu o governo socrático, que endividou o país e chamou a troika. Desde 2015, desapareceu Passos Coelho, que, quase sozinho, conseguiu renegociar as condições do ajustamento e executá-lo. Na primeira parte da ilusão, Sócrates foi encoberto para concentrar todas as culpas em Passos Coelho; na segunda parte, é Passos quem desaparece, para que António Costa recolha todas as palmas.

Mas em que consiste então a ilusão? A ilusão é a ideia de que a prosperidade depende totalmente do poder do Estado, que a riqueza é uma torneira que os governos abrem e fecham quando lhes apetece. Se Portugal não teve festa em 2012, foi porque Passos não quis. Se Portugal faz festa em 2017, é porque Costa quer. E portanto, não temos de nos preocupar com quem nos tenta convencer a melhorar as condições para o investimento e o trabalho em Portugal. A única coisa de que precisamos é de primeiros-ministros que distribuam dinheiro.