Tenho apreço por Francisco Assis. Nem sempre concordo com o que diz, mas reconheço que é um dos poucos socialistas – Sérgio Sousa Pinto é talvez o maior exemplo – que não tem medo de dizer o que pensa, sem se preocupar em agradar à liderança do PS.

Porém, não concordo com algo que Assis afirmou na sua intervenção durante o debate parlamentar sobre o 25 de Novembro de 1975. O PS já não é o partido de Mário Soares. Já anteriormente abordei as diferenças entre o PS contemporâneo e o de Mário Soares. Volto a fazê-lo aqui.

Não há qualquer dúvida de que Mário Soares é a personalidade política civil mais ligada ao 25 Novembro. Mas esse estatuto aconteceu pela certeza de que não seria possível qualquer concordância ou cedência às posições do PCP (e restante extrema-esquerda). O futuro de Portugal passava pela implementação de uma democracia constitucional.

Mário Soares também defendeu, e bem, que os comunistas não fossem atirados para a clandestinidade. Qualquer ideologia que tenha apoio popular deve ter a possibilidade de se constituir em partido (acrescento que isto é tanto válido para a extrema-esquerda como para a extrema-direita). No entanto, reconhecer a possibilidade de partidos que defendem ideias totalitárias poderem ter representação parlamentar, não é o mesmo de validar essas ideias para ser Governo. Foi isso que o PS fez com a Geringonça. Lamento que Francisco Assis não compreenda isto. Para além disso, enquanto Mário Soares sempre representou o centro-esquerda, com líderes como António Costa (e agora mais ainda com Pedro Nuno Santos), o PS deslocou-se para a esquerda.

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O 25 de Novembro é a data da materialização da liberdade. As promessas de Abril correram o risco de ser permanentemente efémeras e vazias perante o espectro duma ditadura comunista que pairou sobre Portugal durante 579 longos dias. Dois vectores foram imprescindíveis para impedir esse fim e permitir a transição do período revolucionário para a via democrática. Primeiro, um vector militar, pela acção e determinação do Grupo dos Nove (saliento Melo Antunes) e de Ramalho Eanes, Jaime Neves e Pires Veloso. O segundo vector foi civil. E aqui o papel e o protagonismo de Mário Soares foi indiscutível.

Desde a Acção Socialista Portuguesa (1964) que Mário Soares estava convencido da existência de um espaço político que permitiria a afirmação do socialismo democrático entre o autoritarismo comunista e o democratismo liberal e conservador. O tempo deu-lhe razão. E os votos dos portugueses na Constituinte também. Em 1975, Mário Soares foi instrumental para impedir a ditadura comunista. Aliás, é importante realçar que a defesa de Mário Soares pela via evolucionária não descurou o interior do PS. Em 1977, entrou em ruptura com Carmelinda Pereira (fundadora do Partido Operário de Unidade Socialista – de inspiração trotskista) que foi expulsa do PS. Dito isto, o exemplo de Mário Soares é tudo menos o de aproximação à extrema-esquerda. O PS de hoje não está infestado por ex-comunistas e ex-membros da esquerda radical?

E há outra coisa que pode e deve ser dita. Contrariamente à postura de António Costa, Mário Soares defendeu publicamente a necessidade da austeridade. Não usou artifícios como “cativações” para enganar os portugueses, preparando-os para as dificuldades. Duvidam? Então, que pensam destas frases de Mário Soares enquanto Primeiro-ministro?

“Quem vê, do estrangeiro, este esforço e a coragem com que estamos a aplicar as medidas impopulares aprecia e louva o esforço feito por este governo” (JN, 28 de abril de 1984);

“O que sucede é que uma empresa quando entra em falência (…) deve pura e simplesmente falir. (…) Só uma concepção estatal e colectivista da sociedade é que atribui ao Estado essa responsabilidade” (JN, 28 de abril de 1984);

“(…) política de austeridade, dura, mas necessária, para readquirirmos o controlo da situação financeira, reduzirmos os défices e nos pormos ao abrigo de humilhantes dependências exteriores, sem que o país caminharia, necessariamente para a bancarrota e o desastre” (RTP, 1 de junho de 1984);

Por isso, não, Francisco Assis, o PS não age como se fosse o partido de Mário Soares. Especialmente quando vende princípios por poder.