Aproximamo-nos do 25 de Novembro. Será coincidência que a liderança do Partido Socialista esteja a ser disputada nesta altura? Penso que não, penso que isso aconteceria mais cedo ou tarde. Todavia, considerando o que um dos candidatos, Pedro Nuno Santos, defende desde jovem não deixa de ser importante referir o significado e a importância da data.

O 25 de Novembro é a data da materialização da liberdade. As promessas de Abril correram o risco de ser permanentemente efémeras e vazias perante o espectro duma ditadura comunista que pairou sobre Portugal durante 579 longos dias. Dois vectores foram imprescindíveis para impedir esse fim e permitir a transição do período revolucionário para a via democrática. Primeiro, um vector militar, pela acção e determinação do Grupo dos Nove (saliento Melo Antunes) e de Ramalho Eanes, Jaime Neves e Pires Veloso. O segundo vector foi civil. E aqui o papel e o protagonismo de Mário Soares foi indiscutível. Tal como foi claríssimo o seu posicionamento. Combateu a ditadura do Estado Novo com os valores da liberdade, da tolerância e da pluralidade, demarcando-se inequivocamente do marxismo, leninismo, estalinismo e trotskismo.

Sim, mesmo apesar da falta de alternativas, podem alegar que Mário Soares aderiu ao partido comunista. Mas saiu logo que possível. Convém não esquecer o que ele fez com a Acção Socialista Portuguesa (1964). Mário Soares estava convencido da existência de um espaço político que permitiria a afirmação do socialismo democrático entre o autoritarismo comunista e o democratismo liberal e conservador. O tempo deu-lhe razão. E os votos dos portugueses na Constituinte também. Em 1975, Mário Soares foi instrumental para impedir a ditadura comunista. Aliás, é importante realçar que a defesa de Mário Soares pela via evolucionária não descurou o interior do PS. Em 1977, entrou em ruptura com Carmelinda Pereira (fundadora do Partido Operário de Unidade Socialista – de inspiração trotskista) que foi expulsa do PS. Dito isto, o exemplo de Mário Soares é tudo menos o de aproximação à extrema-esquerda.

Pedro Nuno Santos, alguém que defende acordos com comunistas e trotskistas desde os tempos da juventude socialista, diz-se herdeiro de Soares? E como sustenta essa pretensão? Certamente não será através do reforçar de alianças com a extrema-esquerda. Quem apoia acordos com marxistas e trotskistas não pode dizer ser um representante do socialismo democrático de Mário Soares. Se o faz é demagógico. Ou pior!

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Muitos políticos portugueses são incapazes de identificar e de classificar no espectro político as ideologias e as suas variações. Este desconhecimento atinge o ponto de não saberem distinguir entre o nível de “radicalismo” das ideologias. Pedro Nuno Santos é um desses políticos. Talvez seja o exemplo mais flagrante desse desconhecimento. Talvez? Porém, vendo a convicção com que se refere ao tema, penso que já estamos para além de um mero desconhecimento. O liberalismo é uma ideologia radical? Isto é uma manifestação de ignorância.

Mas ainda mais preocupante do que persistir na ignorância é a maneira como se refere à direita. Pedro Nuno Santos parecer ter um entendimento muito próprio de democracia considerando apenas o socialismo e as diversas correntes marxistas como democráticas. A social-democracia ainda é tolerável. Tudo o resto é inaceitável. Se não pensa assim, não é coerente com o que diz. E sua retórica só o afasta de Mário Soares. Se alguém perguntar a Pedro Nuno Santos para enquadrar Soares nos mencheviques ou bolcheviques qual será a sua escolha? Independentemente disso, 48 anos depois da afirmação de Mário Soares pela democracia, Pedro Nuno Santos celebra o 25 de Novembro convidando o totalitarismo marxista e trotskista a juntar-se ao PS. Haverá maior ironia?

Se há partido que se tem vindo a radicalizar, esse partido é o PS. E essa radicalização também aconteceu devido a dirigentes como Pedro Nuno Santos que apoiam entusiasticamente ligações ao PCP e BE. Com Pedro Nuno Santos, o PS vai sofrer uma nova mutação. Sócrates transformou o socialismo em neo-socialismo (PS dos negócios). Costa manteve mais ou menos as coisas. Pedro Nuno Santos preservará os negócios, mas levará o PS uma via mais ortodoxa, distanciando-se ainda mais do socialismo democrático de Mário Soares. Esta vai ser sua contribuição. Um réquiem pelo socialismo democrático.

Infelizmente, parece-me que o fervoroso socialista que apoiou José Sócrates, o mesmo que apoiou António Costa (desprezando outro representante do socialismo de Mário Soares, António José Seguro) e irá agora apoiar Pedro Nuno Santos. Fá-lo-á acriticamente. Tudo pela sensação da maior garantia de lugares.

Oxalá percebam o que realmente está subjacente à escolha para o próximo líder do PS. Oxalá percebam os danos que farão à democracia ao acabar com o Socialismo Democrático. Oxalá percebam que entre José Luís Carneiro e Pedro Nuno Santos, o único herdeiro de Mário Soares é o primeiro.