Algo de extraordinário ocorreu recentemente nas Nações Unidas. E não1, não foi a eleição do Irão para presidir ao Conselho de Direitos Humanos em 2023. Nem sequer múltiplos funcionários da sua agência local terem participado no subsequente ataque terrorista de 7 de Outubro. Ou a ONU, cumprindo a sua missão sob a liderança do dr. Guterres, ter contribuído decisivamente para o clima de paz e tranquilidade que atualmente permeiam as relações internacionais.

Foi a publicação de um relatório, na sessão do Conselho dos Direitos Humanos presentemente a decorrer, que caracteriza a prostituição2 como um sistema de exploração e abuso que “reduz mulheres e raparigas a mera mercadoria” e “dificulta a sua capacidade de alcançar verdadeira igualdade” (p.7, enfase acrescentada). E que, adicionando injuria a insulto propõe, com base nesta avaliação, a abolição desse comércio3. Além disso, equipara a pornografia a “uma forma de prostituição” (p.19), frisa a forte relação entre as duas e, argumentando que são atividades que surgem de fragilidades, são concomitantes com violência, e degradam a dignidade das mulheres, pede aos países membros a sua proibição & criminalização da sua posse e produção.

Além disso, recusa o uso do termo “sex work” que acusa “apresentar erroneamente a prostituição como atividade tão valorosa e digna quanto qualquer outro trabalho” (p.3). Algo semelhante a descrever a escravatura como “emprego pro bono”, labor cheio de valor e dignidade, não obstante coleiras, maus tratos e desumanização comuns a ambas as atividades, uso que equivale ao branqueamento de todas as injustiças, violências e exploração associadas à escravatura da prostituição. De frisar que o relatório permeia, ao contrário do que uma análise superficial poderia indicar, não de uma visão cristã da sociedade, mas de uma perspetiva sociológica novecentista.4 O que não é nada Mao considerando o trogloditismo woke pré-segundo milénio a.C. que parecia ter tomado conta da ONU.

Este relatório não representa uma visão socrática, nem sequer cristã, do fenómeno porque parece considerar que o dano infligido pela prostituição afeta apenas fornecedores, não clientes5, e ao ignorar completamente que quem paga se degrada espiritual, psicológica e corporalmente mais que quem vende: “é pior cometer uma injustiça do que a sofrer, porque quem a comete torna-se injusto [o estado existencial mais ignóbil no Universo] o que não acontece a quem a sofre.” (Górgias, Platão; ver também Catecismo da Igreja Católica 2355) Antes parece mais próximo do idealismo republicano de Victor Hugo (1802-1885), quando escrevia n’Os Miseráveis: “Dizemos que a escravatura já desapareceu da civilização Europeia, mas isto não é verdade. A escravatura ainda é praticada, mas agora aplica-se apenas a mulheres sob a denominação de prostituição”. Ou ainda com o warxismo, na sua visão dialética da exploração capitalista, na nova6 versão não-woke em que os consumidores exploraram os fornecedores, exploração que é preciso lutar7 para erradicar.

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Mas algo ainda mais extraordinário que este documento foi a reação que suscitou na bolha woke euro-americana. Múltiplas organizações se manifestaram contra o relatório como sendo enviesado e estigmatizador, culpado8 de ignorar as recomendações da Organização Mundial da Saúde, da UNAIDS e da Amnistia Internacional. Mas de especial interesse é a declaração do International Planned Parenthood Federation, uma autodenominada organização feminista9 que ganha biliões em dinheiro basicamente através de uma única atividade, cuja menção não vem para o caso, em “saúde reprodutiva”10. A declaração é notável numa única afirmação: “não há feminismo sem prostitutas”. Por outras palavras: a prostituição é condição necessária ao feminismo. Isto segundo uma das mais económica & politicamente poderosas organizações “feministas” a nível mundial.

O que leva a duas questões. A primeira é: se assim for, quem é quer ser feminista, pessoal ou institucionalmente? Alguma das senhoras aqui presente? E quando Don Pedro Nuno se reclama de feminista, e opina11 que o ps/d deve ser ainda mais feminista, estará a dizer que quer que os militantes do ps/d se prostituam ainda mais? E que as políticas do seu partido têm como objetivo a construção de uma sociedade em que todas as pessoas sejam, ou devam ser, prostitutas?

A segunda é: se, de facto, o feminismo é a defesa da dignidade & direitos da mulher12 em todos os casos e situações, e se as conclusões do relatório da ONU forem factual e racionalmente corretas, como parecem ser, e que de facto a prostituição “reduz mulheres e raparigas a mera mercadoria” e “dificulta a sua capacidade de alcançar verdadeira igualdade“, porque não se levantam os verdadeiros feministas de todo o mundo em protesto contra organizações como o International Planned Parenthood Federation que defendem & promovem essa escravatura e com ela lucram? E porque não dizem, alto e a bom som “não, o feminismo não é prostituição!” & “enquanto houver prostituição não há igualdade nem dignidade!”?

Resumindo: para onde foi o feminismo? E será que ainda tem salvação?

Us avtores não segvew as regras da graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein as du antygu. Escreuew covmv qverew & lhes apetece. #EncuantoNusDeixam

  1. Não: um tipo de afirmação, usualmente classificada, depreciativamente, como ‘negação’; asserção vácua & infantil de personalidade & independência, como em “não é não”.
  2. Prostituição: fenómeno descrito cientificamente como uma simetria da política, um exemplo sociológico de Calabi-Yau manifolds, em que dois fenómenos aparentemente muito diferentes são no entanto essencialmente equivalentes; embora a modelização da equivalência seja atribuída a Eugenio Calabi (1923-2023) e a Yau Shingtung 丘成桐, o seu verdadeiro descobridor terá provavelmente sido Ronald Reagan (21911-2004): “It has been said that politics is the second oldest profession. I have learned that it bears a striking resemblance to the first”; se a prostituição “é trabalho, então a violação sexual é apenas um roubo”, Filipe Samuel Nunes (neste artigo, recomendável a todos os leitores do Observador).
  3. Comércio: troca de um bem substancial por um símbolo insubstancial do seu valor; a arte que nos liberta da pobreza, segundo Sócrates (Górgias); transação voluntária, ao contrário da tributação e da pirataria; (arcaico:) transação; (eufemismo:) tráfico.
  4. A autora deste relatório, a Special Rapporteur Reem Alsalem, é uma conhecida & pública defensora da legalização do homicídio intrauterino.
  5. Cliente: pessoa que se presta a ser roubada dentro da legalidade.
  6. Novo: lugar comum; plágio; imitação; algo descoberto, introduzido ou produzido recentemente, sendo que o último termo desta definição deve ser entendido de modo bastante elástico como demonstrado pela palavra de ordem de Ezra Pond (1885-1972) aos seus jovens seguidores, “make it new”, uma velha ortodoxia que refloresce de geração em geração, e que é empregue nos contextos mais diversos, seja por Sua Santidade (“o Evangelho é sempre novo”) e Paulo Coelho (“O amor é sempre novo”).
  7. Luta: instituição essencial em sociedades inclusivas, igualitárias, equitativas & pacíficas; ritual social essencial ao florescimento de jornalistas & lucro de jornais; alguns progressistas censurem e deplorem a necessidade & a existência da luta, especialmente quando é entre iguais, como a competição entre empresas, alunos e trabalhadores em mercados concorrenciais, mas não quando entre desiguais, como as a luta de classes.
  8. Culpar: atribuir superior capacidade ao outro para influenciar o nosso destino; confissão, mais ou menos explicita, do grau da competência própria no controlo do seu próprio destino.
  9. Feminismo: doutrina religiosa que prescreve a libertação feminina do vício vaidade, em prol do cultivo da virtude da gula, bem como a sua libertação da servidão da vida familiar em troca dos frutos da esterilidade médica & quimicamente assistida; prostituição segundo o International Planned Parenthood Federation, machimo de saias segundo Sua Santidade. Pergunta-se: as mulheres merecem isto? Merecem estes feminismos?
  10. Saúde reprodutiva: atividade que não tem nada a haver com saúde nem com reprodução, antes tem por objetivo tirar não só a saúde, mas até a vida, a um ser humano, e abortar um processo reprodutivo em curso; aborto médico.
  11. Opinião: algo que, numa sociedade diversa, equitativa e inclusiva, só se deve expressar se se conformar com a diversidade dominante, com equidade injusta e inclusão rejeitadora & classista que não aceita aqueles que não pensam em conformidade com a ortodoxia dominante; a base mais sólida das diretivas da Direção Geral da Saúde, da OMS e do dr. Faucci; a opinião de que tudo é opinião é uma opinião interessante, mas que naturalmente é opinável.
  12. Mulher: termo usado na alta antiguidade (i.e., até inícios do séc. 21) para designar bicho que vive nas imediações dos homens, mas que não é domesticável; construção ideológica do hétero-patriarcado branco sem fundamento científico; a sua inexistência real torna o uso do termo inofensivo y incapaz de causar ofensa, tal como chamar dragão a um benfiquista ou unicórnio a uma empresa; pessoa com pénis que se identifica como sendo do género feminino; por enquanto ainda inclui aquelas pessoas com vagina que se identificam como sendo do género feminino; aquilo para que, segundo o poema de Peter Motteaux (1663-1718), com música de Henry Purcel (1659-1695) (“Man Is For the Woman Made”, Z605, 3, Deliciae Musicae, Vol. III, 1696), o homem terá sido feito:
    “Man, man, man is for the woman made,
    And the woman for the man;
    As the spur is for the jade,
    And the scabbard for the blade,
    As for the digging is the spade,
    As for liquor is the can,
    So man, man, man is for the woman made,
    And the woman for the man.”;
    a questão de se as diferenças entre mulheres e homens são acidentais ou essenciais ainda não se encontra resolvida, mesmo após várias gerações de filósofos e biólogos peripatetas se terem debruçado sobre assunto; a jurisprudência moderna desconhece a definição do termo, e põe em dúvida se esta entidade será viável fora dos laboratórios de pesquisa biológica.