No atual contexto geopolítico de guerra na Europa, é necessário proteger a política externa e a defesa nacional, de forma a conquistarem um lugar prioritário nas escolhas dos governos, o que implica – hoje mais do que nunca – um amplo debate público antes da tomada de decisão política.

De facto, é cada vez mais importante reforçar as áreas de soberania portuguesa. Sem elas, e sem organizações internacionais que garantam o cumprimento do direito internacional, ficamos sujeitos às derivas de regimes totalitários que ameaçam aquilo que de mais precioso podemos garantir: a nossa segurança coletiva.

Reconheço que, atualmente, as escolhas orçamentais dos Estados são cada vez mais complexas. No caso concreto de Portugal, não bastassem os problemas estruturais do país – o fraco crescimento da economia, o estado débil do Sistema Nacional de Saúde, as crónicas crises no setor da Educação, o decréscimo demográfico ou, ainda, o facto de o número de pessoas em risco de pobreza ter aumentado pela primeira vez desde 2014 – vivemos hoje num novo ambiente estratégico mais desafiante e perigoso.

A guerra na Ucrânia, infelizmente, não parece ter fim à vista, sendo incendiada com discursos irresponsáveis de membros do Kremlin que incitam à escalada nuclear.

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Atentando aos reflexos económicos da guerra que se alastram a vários países da Europa, não esquecendo ainda os efeitos da atual crise energética, vemos que a Europa enfrenta hoje, sem sombra de dúvidas, um período extremamente delicado e perigoso, no qual paira, de forma crescente, a fadiga e o cansaço dos países ocidentais em relação à guerra na Ucrânia, o que poderá representar um renovado fôlego para a Rússia imperialista de Vladimir Putin.

Como tal, um facto que não devemos desassociar da imprevisibilidade da duração do conflito é o possível alastramento da guerra às próprias fronteiras da NATO. Não parece provável que Putin e os seus ímpetos bélicos conheçam por aqui o seu término. Caso seja bem-sucedido na Ucrânia, é bastante possível que prossiga com a sua cruzada. Se o fizer, o que se seguirá? A invasão a países que entram na órbita imperialista russa e de – teoricamente – mais fácil anexação, como a Moldávia e a Geórgia? E depois? Haverá nova cobiça pelos Estados Bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia – outrora partes integrantes da antiga União Soviética, hoje membros de pleno direito da NATO?

Bem sabemos que a Aliança Atlântica é uma entidade multilateral cujos membros estão unidos pelo acordo 5º de Defesa Coletiva, que prevê que um ataque a um dos membros seja considerado um ataque a todos ou, entendido de outra forma, que todos se devem defender entre si, unindo-se, por isso, pela prontidão logística e militar dos recursos que cada um deve dispor na resposta a potenciais conflitos.

Por conseguinte, também as pretensões hegemónicas da China de Xi Jinping, mais do que uma dúvida, são hoje uma certeza, consubstanciadas na sua recondução para um inédito terceiro mandato na liderança do Partido Comunista Chinês, sem nunca esquecer o terrorismo, as ameaças cibernéticas ou as alterações climáticas que colocam em risco o futuro da Humanidade.

Tendo em conta o atual contexto geopolítico, urge que o governo, a par das áreas sociais, valorize nas suas opções orçamentais as áreas da Soberania, Política Externa e de Defesa Nacional, muitas vezes descuradas, mas que devem merecer um lugar igualmente premente nas opções orçamentais do nosso país.

Em Junho, na Cimeira da NATO, Portugal referiu que iria antecipar o objetivo de aplicar 1,66% do PIB para a Defesa já em 2023 (algo que estava previsto apenas para 2024), não se tendo comprometido, no entanto, com uma data para o dever que nos assiste de cumprirmos, finalmente, com os 2% do PIB.

Todo este panorama tem implicações nos três ramos das Forças Armadas (Marinha, Força Aérea e Exército), que prestam um contributo inestimável para a nossa segurança, garantindo a soberania territorial de Portugal, mas que têm sentido, cada vez mais, os efeitos da escassez de recursos humanos no cumprimento das suas funções.

Desde 2021 que os três ramos militares já perderam mais de 65 milhões no orçamento para a aquisição de bens e serviços, isto num momento em que o grande desafio passa por recrutar, reter e tornar a carreira das nossas Forças Armadas mais atrativas.

O atual contexto geopolítico permite-nos traçar uma conclusão: não há paz sem Defesa. No entanto, as opções orçamentais tomadas para a área da Defesa parecem indicar que ainda vivemos como se não houvesse guerra. O regresso do conflito à Europa e o anunciado reforço das despesas com a Defesa em muitos países da NATO não está, para já, a ter o mesmo eco em Portugal quando comparando com o debate vivido noutros países europeus.

Portugal deve participar num esforço do reforço militar, que muitos Aliados já iniciaram, e atingir os 2% do PIB em Defesa. Ao colocar-se do lado do Estado agredido, a NATO e os valores que caracterizam os seus Estados-Membros, cujo livre-arbítrio, soberania e democracia são para si inegociáveis, tem vindo a dar a sua resposta política e militar, no momento em que tinha e tem, impreterivelmente, que o fazer.

Já alguma vez nos perguntámos o porquê de, felizmente, pouco recearmos ao nível de uma invasão?

Sejamos pragmáticos: porque é que ao longo das últimas décadas temos vindo a dormir descansados quando pensamos numa potencial tomada e consequente ocupação?

Portugal, como membro fundador da Aliança, tem que estar à altura das circunstâncias. Num mundo imprevisível, em que por norma cometemos o erro de tentarmos dar resposta a cenários de crise apenas no momento em que com eles nos deparamos, é tempo do Governo e dos partidos que apoiam os princípios europeístas e atlânticos anteciparem possíveis ameaças, de reforçarem a posição portuguesa no quadro multilateral – com incidência direta no nosso poder de dissuasão – e de agirem em conformidade com os compromissos de política externa assumidos, garantes da nossa liberdade, democracia e segurança.