Ficámos sem o Zeca. O PSD perdeu-o há um ano, quando Marcelo o conseguiu levar para Belém; o país, a família e as redações perderam-no nesta quinta-feira.
Centenas de lamentos se ouviram no espaço público. Vindos, sobretudo, de militantes do PSD e de jornalistas. Escrevo este texto para explicar — a uns e a outros — por que razão não haverá outro Zeca.
Tornei-me seu colega em maio de 2002 quando fui trabalhar para o grupo parlamentar do PSD. Nessa condição, ou como diretor de informação da JSD, ou mais tarde quando me estabeleci por conta própria, cresci profissionalmente a ouvi-lo ralhar-me, a explicar-me as regras da profissão ou simplesmente a observá-lo.
Esse convívio habilita-me hoje a dizer que três coisas fizeram do Zeca um ser único. Não foram as estórias, o sentido de humor, as brincadeiras, a simpatia, o profissionalismo ou sequer a experiência. Nisso ele era mestre, mas não era único.
A sua singularidade esteve na forma de entender a profissão, arte que ele revelou em três facetas: profundamente conhecedor do que é um jornalista; profundamente distante da intriga e dos jogos internos; profundamente aberto a partilhar o saber profissional.
Vamos a cada um.
O Zeca e os Jornalistas
Hoje os diretórios partidários não sabem (nem querem saber) o que é um jornalista. Veem-no como um adversário, um obstáculo. Não admitem que um jornalista tenha o “seu” ângulo de visão. Não percebem a “utilidade comercial” do título das notícias. Não percebem nem querem perceber que um jornalista não é nem amigo nem inimigo: é um profissional cujo interesse não é o mesmo dos diretórios políticos. E quando estão zangados com a imprensa, esses diretórios querem sangue, querem expor o jornalista da mesma forma como se denuncia um árbitro quando a nossa equipa perde.
Ora, o Zeca serviu muitas vezes para fazer a boa pedagogia. E podia fazê-la porque ele era o Zeca. A ele, tudo era permitido, comparado aos comuns assessores de imprensa das máquinas políticas. A esses é cada vez mais vedada uma atitude racional (consciente, saudável, tranquila, contemporizadora) perante os jornalistas e as notícias desfavoráveis.
Na imprensa de nível nacional, é delirante achar que as redações estão contra nós — como creio ser hoje o sentimento do primeiro-ministro nesta mediatização do “nepotismo”.
O Zeca sabia-o e impediu muitas reações tolas. E impediu-as porque ele era o Zeca.
No fundo, estamos a falar de alguém que encontrou o perfeito equilíbrio entre ser o embaixador do partido junto da imprensa e o embaixador da imprensa junto do partido.
O Zeca e a Lealdade
Era impossível manter com o Zeca uma conversa picante sobre a vida interna do partido. Da sua boca não se ouvia falar mal de ninguém, nem cusquices que pudessem deixar mal outros companheiros. Uma coisa eram as suas histórias, outra eram as história dos outros.
É cada vez mais difícil encontrar quem se afaste tão absolutamente do corte e costura. Sobretudo, num partido com tantos alfaiates e modistas…
O Zeca e a Partilha
Certa vez, o Zeca sentou-se ao meu lado e disse: “ó Colaco, traga lá o seu caderninho!”. E ditou-me os nomes dos jornalistas que faziam PSD e Parlamento. Com números de telefone! Na verdade, estava a dar-me ouro. Quem é que hoje faz isso? Só alguém muito seguro de si, sem receio da competição dos mais novos. Só um Zeca, que ajudando os colaços desta vida sabia estar a ajudar também o seu Partido.
O Zeca e a Unicidade
Respondendo ao meu desafio inicial, será que podemos olhar para o Zeca como um Papa dos assessores de imprensa? Não. De facto, cada Papa é sempre o único Papa, mas, morrendo, logo surge outro. E o Zeca não é Papa porque não haverá outro Zeca.
Ex-membro 1do Conselho de Jurisdição do PSD