No que hoje designas por liderança é frequente (será que já pensaste nisto ou não te ocorreu ainda?) encontrares um paradoxo brutal: por um lado, a imagem idealizada de um líder (queres acreditar que o teu líder, se gostares dele, ou tu enquanto líder) imbuído de características superiores – humanismo, autenticidade, inspiração e proximidade, entre outras – que se tornaram, juntas e para ti, naquilo que é o verdadeiro arquétipo de liderança; por outro, a realidade, frequentemente mais complexa e com múltiplas nuances, de líderes que possuem traços menos admiráveis como o narcisismo, uma certa psicopatia ou mesmo alguns traços de maquiavelismo (poderá ser aquele a quem chamas chefe mas nunca serás tu, já que te conheces bem!).

Este paradoxo levanta uma questão absolutamente inultrapassável: será que, para exercer liderança eficazmente, um indivíduo precisa de incorporar, mesmo que minimamente, alguns desses traços aparentemente negativos da chamada “Tríade Negra”?

Verdade, verdadinha: a liderança, como qualquer outra forma de poder humano, é multifacetada e muito mais complexa do que anda por aí, nomeadamente pelas redes sociais. A simples noção de que um líder pode ser totalmente altruísta ou desprovido de qualquer egoísmo é, sejamos honestos, pura fantasia. Todo o líder, não importa quão inspirador ou ético, opera dentro de um espectro de qualidades e defeitos pessoais. Todo. Tu operas assim. Eu opero assim. Todos operamos assim.

Porém, é tentador idealizar líderes que personificam virtudes incontestáveis, mas essa visão ignora a realidade essencial de que a liderança também envolve confrontos, decisões difíceis e, ocasionalmente, a necessidade de manipulação estratégica ou alguma agressividade que pode estar próxima do autoritarismo.

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Não devemos ser ingénuos, não podes ser ingénuo, chegando ao ponto de ignorar que a liderança eficaz pode, em certos momentos, requerer a habilidade de navegar ambiguidades morais. Um líder pode precisar exercer um certo grau de manipulação política para alcançar um bem maior, ou demonstrar uma firmeza que à primeira vista pode parecer autocrática, nomeadamente para guiar uma organização por tempos turbulentos. Como pode, igualmente, dar um murro na mesa e acabar com um aproveitamento ou a usurpação de um assunto por alguém. Esses comportamentos não são necessariamente indicativos de uma falha de caráter, mas, antes, de uma adaptação às realidades muitas vezes duras do exercício do poder. Enfrentar paradoxos e geri-los, dizer o sim e o seu contrário dependendo do contexto e sem que seja mentira, improvisar, por exemplo, parecem tudo menos coisas do líder humanista. Mas por favor não esqueças: liderar não é fazer a vontade a todos e não é agradar a todos. É inovar, é criar valor, é conduzir, é orientar, é inspirar, é congregar esforços. E por aí fora.

Um dos grandes desafios na discussão sobre liderança é encontrar um equilíbrio entre o idealismo e o realismo pragmático. Em última análise, a liderança autêntica e eficaz não reside na perfeição ou na posse exclusiva de qualidades puramente positivas ou puramente negativas. Reside, sim, na capacidade de um indivíduo inspirar e mobilizar pessoas em direção a objetivos compartilhados, enquanto navega as complexidades do poder humano com integridade e sabedoria.

Nota: Difícil? Pois é. Percebe-se por aqui porque uma certa personalidade do Estado português usou, recentemente, de um argumento que evoca a história colonial com uma ligeireza e uma desfaçatez próprias das características da famosa Tríade Negra. Problema maior destas situações: quando o autoconhecimento é baixo e a vontade de estar bem com todos é elevadíssima pois a Tríade torna-se poderosa. E uma das obrigações da liderança é também combatê-la. Começando por reconhecê-la que é, para todos os efeitos, o exercício mais simplório de liderança. Quem não sabe o que é e procurar combater esta tríade ou está doente ou não serve para o exercício da liderança.