Ainda se lembram das armas de destruição maciça que Saddam Hussein teria (mas não tinha) e que justificaram a invasão do Iraque pelos EUA e alguns aliados? E de como Durão Barroso, ofereceu os seus préstimos e a Base das Lages para a encenação de uma reunião impulsionada por George W. Bush que convenceu Tony Blair a tomar a pior decisão da sua vida (de que hoje se arrependerá) secundados por José Maria Aznar? Uma guerra onde morreram mais de mil soldados americanos, centenas de soldados de alguns países aliados e mais de uma centena de milhar de civis inocentes e militares deste país.

Há sempre uma narrativa por detrás de uma guerra, sobretudo quando se trata de invadir outro país. Há sempre uma justificação. Putin e Netanyahu têm a sua. Para serem eficazes, as narrativas necessitam de ser apoiadas numa boa imprensa e, de preferência, não serem contraditadas. Por isso, os jornalistas são um alvo.  Órgãos de informação ocidentais foram proibidos na Rússia e a Al Jazeera proibida em Israel, e a sua sede na Cisjordânia invadida e ocupada por militares israelitas. Mais de uma centena de jornalistas terá sido morta em Gaza.

O governo israelita justifica as suas ações de genocídio e de arrasamento de Gaza com a necessidade de segurança atingível com o extermínio dos membros terroristas do Hamas após o ataque a 7 de Outubro. Do lado palestiniano, já terão morrido cerca de 40.000 pessoas incluindo milhares de crianças. No meio de tantos mortos, o exército de Israel vai matando membros do Hamas tendo agora passado a uma segunda frente, em que já não é apenas o Hamas, mas o Hezbollah a justificar a entrada de Israel no Líbano. No Líbano, a desproporção de números é também avassaladora. Terão já morrido mais de 1500 libaneses contra cerca de duas dúzias de israelitas. Deslocados, cerca de meio a um milhão de libaneses (números variam consoante as fontes) contra dezenas de milhar de israelitas que tiveram de sair das suas casas. A justificação é a mesma: a segurança nacional e a auto-defesa. A evidência jornalística para o mundo no Líbano é um túnel filmado por uma câmara israelita.  Será que é matando milhares de inocentes que se vão criar as condições para a segurança e uma paz duradoura? Tudo indica precisamente o contrário como mostra um recente artigo da Economist sobre a radicalização dos jovens palestinianos. Mas é precisamente isso que Netanyahu, e vários dos seus ministros, assumem querer explicitamente: inviabilizar a criação de um Estado Palestiniano através da sua radicalização e da promoção do ódio entre os dois povos.

Há vários equívocos que convém desfazer em relação a esta guerra. O primeiro é confundir o povo de Israel com o governo de Israel. Do mesmo modo que dizíamos, antes do 25 de Abril, que Portugal não era Salazar, devemos dizer que Israel não é Netanyahu. Israel é um belo país. Jerusalém, que conheci, é uma cidade inter-religiosa onde convivem muito perto crentes e locais de culto de quatro grandes religiões mundiais. A população de Israel tem direito à segurança, à integridade e a ser reconhecida e não ameaçada pelos países da região. Mas as ações de Israel devem ser proporcionais aos riscos que enfrenta, o que não acontece. O segundo, é não confundir regimes com pessoas. Temos, muitos de nós, uma maior simpatia por uma democracia, ainda que muito imperfeita (Israel) em detrimento de uma teocracia (Irão). Mas devemos atribuir  iguais direitos e dignidade a cada mulher, homem ou criança, quer viva em Israel, na Palestina, no Líbano ou no Irão. É o princípio kantiano  que todos os indivíduos têm o mesmo valor moral e merecem igual respeito. O governo de Israel tem o dever de os respeitar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A escalada continua com o Irão a enviar centenas de mísseis contra Israel, em resposta aos ataques de Israel, mas sem danos relevantes dados os sistemas anti-mísseis fornecidos pelos EUA. Apesar de não terem causados danos, o governo de Netanyahu já deu a entender que irá retaliar. E assim continua esta escalada de guerra que, como todas, tem muito de irracionalidade e de orgulho próprio e para a qual não vemos o fim. Joe Biden, no meio de tudo isto, parece uma sombra, e coordena com Netanyahu a resposta ao Irão certamente pressionado pelos falcões do Pentágono. Preveem o evoluir desta guerra como resultado da interação entre dois países supostamente racionais no quadro de uma qualquer teoria dos jogos que se ensina nas universidades. Acontece que os agentes não são racionais e a sequência da guerra é imprevisível. Só os EUA teriam a capacidade de travar Netanyahu, mas não o fazem decididamente. Aparentam estar a conter Netanyahu, mas vão justificando e apoiando as suas ações de invasão do Líbano.  E no meio de tudo isto e de uma guerra regional que se inicia e alastra, a União Europeia em que Borrell está de saída, à espera de ser substituído, fez apenas um tímido comunicado.

Por cá, pouco podemos fazer. A Assembleia da República já aprovou este ano uma resolução a recomendar ao governo português que faça todos os esforços diplomáticos para o reconhecimento do Estado da Palestina a par do Estado de Israel.  Está na altura de Portugal responder simbolicamente ao governo de Israel declarando o senhor Netanyahu como persona non grata em Portugal. Estaríamos ainda assim a ser muito mais brandos com ele que o procurador-geral do Tribunal Penal Internacional que pede para Netanyahu para o seu ministro da defesa e para líderes do Hamas a emissão de mandatos internacionais de captura.

PS. Não sei o que PS e PSD pensam sobre a situação internacional pois só se fala em orçamento. Luís Montenegro (LM) apresentou de facto a Pedro Nuno Santos uma proposta irrecusável na substância: deixou cair a sua proposta de IRS jovem, adoptando uma variante da que já existe aprovada pelo PS, e diminuiu para metade a descida de IRC proposta inicialmente pelo governo, na linha do compromisso que defendemos aqui entre PSD e PS. O PS, teimosa e irresponsavelmente, fez contraproposta e insiste ainda que o PSD recue mais. LM provavelmente não aceitará e com toda a razão (à hora a que escrevo LM ainda não respondeu). Será que o PS não consegue perceber três coisas básicas: o governo é da AD, existe uma maioria de direita no parlamento e ele será um dos principais  penalizados por eventuais eleições antecipadas motivadas pela não aprovação do OE?