Já aqui tenho falado do Orçamento de Estado para 2023, porque este é uma fonte inesgotável de assuntos mal resolvidos, e volto, desta feita, para falar de um tema da ordem do dia, o arrendamento. As cidades têm falta de casas para arrendar e a única solução para responder eficazmente a este problema é haver mais casas no mercado do arrendamento. Quem o diz são os profissionais do sector imobiliário, mas qualquer um de nós chega a esta conclusão quando faz uma procura nos sites da especialidade e percebe que os preços são exorbitantes, as áreas das casas reduzidas e a qualidade do produto, na maioria dos casos, discutível. Em economia é a lei da oferta e da procura quem determina a formação de preços no mercado. Os preços variam de acordo com o equilíbrio entre a oferta e a procura. Sempre assim foi e a habitação é um problema que não é de hoje.

Entretanto o governo decidiu intervir no mercado. E havia uma morte anunciada, como aliás é apanágio deste governo, quando no verão começaram a surgir notícias dando conta daquelas que eram as intenções do governo. E durante dias discutiu-se nos media as “intenções” do governo acerca do arrendamento, sem que houvesse um documento oficial, sem que houvesse alguma medida ou proposta. Era um suponhamos, como dizia o saudoso António Feio na sua “Conversa da treta”. O governo só tem um objectivo: desbravar o caminho que pretende fazer sem ter de o discutir e prestar contas perante a opinião pública. E foi assim que apareceu esta decisão, como um facto consumado.

Em outubro a intervenção do governo é anunciada. Limitar a actualização das rendas em 2023, não permitindo os 5,43% como decorreria da lei em vigor, mas estabelecendo um teto máximo de 2%. Fê-lo no pressuposto que estaria a ajudar todos: as famílias e os proprietários.

Só que não. Ao contrário, o que percebemos é que António Costa dificilmente alcançará algum dos objectivos que esperava. E vamos ver se não aguçou o engenho.

No caso das famílias, elas estão empobrecidas. Não têm dinheiro para suportar as rendas porque a inflação comeu o seu orçamento mensal! E nesta equação do arrendamento as famílias são o elo mais fraco. Elas estão expostas a todo o tipo de pressões e são sujeitas a artimanhas, porque a medida travão – como outras decisões deste governo – não previu que os proprietários, não podendo fazer aumentos, recorressem a ameaças de não renovação, instalando o pânico em muitas famílias. Os dados já denotam um aumento do número de despejos, deixando antecipar que esta medida trouxe às famílias a insegurança de que não precisavam e o risco de poderem ser despejadas e ficar na rua. No caso dos proprietários, eles têm várias opções. Há os que, podendo, e tendo em conta a forte incerteza do mercado que quase nos lembra os países de terceiro mundo, retiram os imóveis do mercado. E o mercado, que já tinha falta de casas, fica com o problema agravado. Há os que tendo contratos de duração anual, fazem a denúncia para depois voltar a celebrar novos contratos e não ficarem sujeitos a limites, aplicando o valor de renda que entendem de acordo com as leis de mercado. Há também os que têm contratos de duração diversa, e esses ficarão condicionados em 2023 às medidas travão socialistas. Por último, há ainda uma franja de proprietários, os que celebraram contratos em 2022, que vão ficar condicionados às medidas travão em 2023, mas, ao contrário de todos os outros, não têm “benefícios fiscais” com reduções em sede de IRS e IRC.

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O problema da habitação é gritante nas grandes urbes. Agora o que não pode, nem deve acontecer, é ser resolvido com medidas ad hoc, suportadas por terceiros. O governo precisa de definir a sua linha de acção na política social, porque as famílias estão falidas. A medida travão promoveu o confronto das duas partes de uma mesma equação de interesses, sem nunca questionar as suas efetivas consequências. E tudo isto se passa aqui, em Portugal, onde o ordenado mínimo são 705 euros.

Neste governo das políticas imaginárias, vale tudo! Discutem intenções de medidas, que não passam disso mesmo, intenções, antes de o seu conteúdo ser público, antes de estarem implementadas e dá-se a conta a terceiros para que eles paguem. E assim tem sido fazer política. Se o Estado não consegue prosseguir os seus fins e não tem capacidade instalada, só resta uma alternativa delegar e entregar aos privados!

Ai Portugal, o governo pode fazer o que bem entende… só porque sabe que ninguém tuge nem muge!!