Há dez anos que fazemos isto, correndo à internet para nos exprimirmos logo que acontecem atrocidades. Não podemos conter-nos.
Não me lembro como era nos tempos pré-internet, quando acontecia um atentado terrorista. E houve muitos. Pareciam menos reais? Menos horrorosos? Menos bárbaros? Com os muitos sequestros, bombas em bares e hotéis – será que nesses tempos tínhamos menos opiniões? Ligávamos menos a essas coisas?
Tínhamos de esperar pelo telejornal da noite para ver umas imagens pouco nítidas dos acontecimentos. Não tínhamos grande audiência para o nosso ultraje, além das nossas famílias diretas, companheiros de café ou colegas de escritório, numa pausa do trabalho.
Hoje, quando acontece uma atrocidade, as reações tornam-se parte do evento. Os canais de notícias competem entre si para chegar primeiro ao cenário e puxarem os sobreviventes das ruínas para falarem. Os cronistas (olá!) sentem-se compelidos a juntar a sua raiva às suas opiniões. E as redes sociais, que hoje fazem parte real das nossas vidas reais, são utilizadas por nós todos para fazermos a nossa parte do trabalho dos terroristas.
E as fotos de perfil mudam de cor.
E as orações são pedidas.
E os sermões aos convertidos começam.
E as culpas.
E as desculpas.
E o racismo.
E a superioridade moral.
E as brigas.
E os jogos políticos.
E as discussões.
E os berros.
E o paternalismo
E os “des-seguires” e os “des-amigares”
E as divisões.
E ao fim disto tudo, as pessoas mais sensatas e mais equilibradas calam-se, por só podem calar-se.
Passei o dia inteiro ontem a evitar dizer muita coisa. Senti a atração da internet e das notícias, claro, e o impulso para fazer parte do circo. Senti-me compelida a clicar o “like” em várias coisas mais sensatas que umas pessoas diziam. Mas o impulso de falar e de exprimir-se é forte, e passei o dia, como deve ter passado muita gente-cartoonista, com o desejo de fazer um cartoon à Charlie Hebdo, forte, feio, chocante. Mas consegui-me obrigar a ficar calada e sem-cartoon. Sinto-me profundamente triste. Sinto-me triste pela cidade de Paris, pela gente aterrorizada, pelos que morreram num instante, pelos que não morreram num instante, pelos pais que perderam filhos, pelos filhos que perderam os pais, por todos os que perderam qualquer outro. Sinto raiva, sinto-me inútil, sinto desprezo… e nenhum desses sentimentos fazem uma mínima diferença a ninguém nem a nada no mundo, excepto aos aos terroristas.
Eles cumpriram a sua tarefa, e agora nós estamos a fazer a nossa.
Como eles sempre sabiam que seria o caso.
Mesmo depois dos seus cérebros estúpidos e narcisistas (porque extremistas de qualquer tipo/cor/religião/sexo/nacionalidade são SÓ isso, narcisistas estúpidos) explodirem em cima dos inocentes, o seu trabalho é continuado por nós.
ELES ADORAM ISTO. Eles adoram que estejamos a fazer luto, a gritar de dor, a rezar… Eles adoram a ideia de que nos podem pôr a discutir entre nós, e dividir-nos cada vez mais. Eles adoram ajudar os racistas a tornarem-se mais racistas e os politicamente correctos mais beatos. Eles calcularam certamente o efeito que teria o passaporte de um refugiado da Síria ao lado do corpo de um dos suicidas-narcisistas, e que iria dividir ainda mais os dois lados, os que acham que a solução é “venham todos!” e os que acham que a solução é “voltem ao mar!”.
Lembrem-se disso. Estamos a fazer o trabalho deles.
(traduzido do original inglês pela autora)
We’re doing the terrorist’s admin.
It’s ten years we’ve been at this, jumping to express ourselves en masse on the net — look, I’m doing it now, here — when the atrocities happen. We can’t contain ourselves.
I really can’t remember what it felt like every time there was a terrorist attack in the olden days. And there were plenty. Did it feel less real? Less horrific? Less carnage-y? When the many hijackings and hostage takings and bombings of pubs and hotels were carried out during the seventies and eighties, did we have fewer opinions? Did we care less?
We had to wait for the evening news to even know that something had happened. We had no one to express our outrage to, apart from our immediate families, or the locals in the pub or bar or our work colleagues the next morning, over coffee and then back to work.
Now, when there is an atrocity, the aftermath becomes part of it, like an event. Like (sorry) an aftermath party. The news channels race to get there to drag survivors out to talk. The columnists (*waves*) are compelled to join their outrage to their opinions. And social media, now a real part of our real lives is where we all do our part of the terrorists’ job.
And the profile pictures change colour.
And the prayers are invoked.
And the preaching to the converted begins.
And the guilt trips.
And the racism.
And the blame game.
And the superiority.
And the sniping.
And the political games.
And the arguments.
And the shouting.
And the patronising.
And the unfollowing and unfriending.
And the divisions.
I spent the whole day, yesterday, avoiding saying much. I was drawn, of course, to the net and the news channels, to become part of the circus that is the aftermath party. I was drawn to press “like” on things people had written because I felt they made sense. But the urge to speak and express is strong and I spent the whole day, as many cartoonist type people probably did, feeling like doing a full strength Charlie Hebdo, but I made myself stay quiet and cartoonless. I feel deeply sad. I feel deeply for the city of Paris, for the terrified caught up in it, for those who died instantly, for those who didn’t die instantly, for the parents who lost their children, for the children who lost their parents, for anyone who lost anyone. I feel rage, I feel helpless, I feel contempt… and not one iota of that matters. It makes not the slightest bit of difference to the world, to the city of Paris, but guess what, it DOES matter to the terrorists.
They did their job, and now we are dutifully doing ours.
And they knew that all along.
Even after their stupid, narcissistic brains (for that is all that extremists of any kind/colour/religion/sex/nationality are, stupid narcissists) have splattered over the innocents, their job is being carried on, by us.
THEY LOVE THIS. They love that we are falling over ourselves grieving and wailing and praying. They love that they make us argue amongst ourselves, and divide ourselves even further. They love that they are making the racist more racist and the colour-blind more sanctimonious. They knew damn well the effect that a Syrian passport appearing in the bloodbath would have on both the “bring em all in” and the “keep em all out” camps.
Just remember that. We’re doing their job for them.