É nos quentes meses de verão que o sul da Europa se enche de turistas. São as praias, as esplanadas e as típicas ruas estreitas, de pedra ou de calçada, com lindas mas velhas fachadas que procuram para passar o dia, sem muito mais para fazer. Em contraste, e enquanto estes espaços transbordam de pessoas, a natureza, silenciosamente chora por chuva.

As secas não são novas, pelo contrário, são uma antiga praga do mediterrâneo. O estreito de Gibraltar tem cerca de quatorze quilómetros e pouco depois podemos encontrar o Sara, um dos grandes obreiros do nosso clima que está sempre em disputa com o outro grande obreiro, o Atlântico. Se virarmos o mapa do mundo ao contrário, vamos aperceber-nos da proximidade e da dimensão deste enorme deserto que todos os anos empurra o seu ar quente em direção à Europa.

Já os Venezianos consideravam que o verão mediterrânico se estendia de maio a outubro, mais concretamente de vinte seis de maio até dezasseis de outubro. Intervalo temporal não muito diferente do que hoje consideramos ser a época alta da hotelaria. Houve mesmo alturas da história de Veneza na qual a navegação era proibida fora desta longa e calma estação. É de facto no verão que o mar se torna tão magnificamente azul e belo que poucas fotografias ou quadros a óleo conseguem ou conseguiram retratar o seu pitoresco.

O calor quando chega é sempre escaldante, as vezes ele vem cedo e outras vezes mais tardiamente. A primavera apresenta-se juntamente com a floração das amendoeiras ou em outros anos mais tarde, com a floração das oliveiras. Já o inverno é ameno mas, se calhar, não tão ameno como se pensa. Por vezes há geadas ou até cai neve. No sul da Europa e no mediterrâneo parece que somos todos os anos surpreendidos pelo frio e pela humidade e as casas sempre foram construídas para nos proteger mais do calor do que do frio.

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Esta sazonalidade, a que nos habituámos, ainda existe, mas foi modificada pelos tempos modernos. Os poucos meses que havia de trabalho agrícola são igualmente hoje meses de grande lavor, mas agora dedicada ao turismo. A movimentação humana para colmatar esta necessidade de mão-de-obra, já não tem a suas origens nas montanhas, é agora trazida por aviões, desde outros continentes.

Já há uns oitenta anos dizia-se que a população na bacia mediterrânica duplicava na época balnear, com as enchentes dos turistas vindos do norte da Europa. Procuravam as paisagens da oliveira, da vinha e do pinheiro, o som das cigarras, o vinho e os diversos petiscos. No fundo procuravam viver, durante a sua estadia ao estilo do sul da Europa, que consideravam também a Europa pobre.

Nas esplanadas e nos alpendres saboreia-se o pão, o azeite e o vinho, a verdadeira trilogia da agricultura mediterrânica, mas também se apreciam os queijos, muitas vezes vindos das zonas mais pobres. A Sardenha era a lha do queijo, Ibiza do sal, Naxos do vinho, Djerba do azeite e Chipre das ervas aromáticas. São hoje estas paradisíacas ilhas também conhecidas por outros motivos bem diferentes, como as noites de festa ou os hotéis de luxo.

A Toscana, considerada uma das mais belas paisagens do mundo, com os seus ciprestes, vinhas e pomares, só o conseguiu ser pois a Sicília, árida e camponesa, dedicou se à produção de trigo em escala. A Andaluzia, hoje a mercearia da Europa, começa o seu percurso económico com a drenagem dos pântanos a sul do Guadalquivir, mais tarde beneficiando das técnicas de irrigação trazidas pela ocupação árabe. É hoje celeiro, pomar e horta, mas também destino de verão e com lugares e cidades mágicas.

As mudanças do Mediterrâneo dizem e sempre disseram respeito às pessoas, já fomos de tudo um pouco, nómadas, comerciantes fervorosos, povos sedentários, conquistados ou conquistadores, mas também dizem respeito aos animais. Em França, em Itália e na Península Ibérica ainda é possível ver vestígios das grandes transumâncias. As ovelhas de hoje, descendentes dos grandes rebanhos das longas deslocações castelhanas, são agora animais estáticos. Até há pouco tempo, passavam o inverno na planície e o verão na montanha, destinos separados por distâncias de centenas de quilómetros. Nas transumâncias da Calábria, um bispo abençoava os rebanhos na primavera, celebrando ao ar livre uma missa num altar feito de queijo.

Os grandes cães de montanha do passado já não acompanham essas travessias, são hoje os guardiões das quintas e dos montes, em muitos casos desabitados, dos seus donos. Esses montes e quintas, também hoje alvo dos turistas, eram no passado a residência do camponês ou do pastor. A casa principal estava arranjada, mas vazia. O senhor da terra vivia na cidade ou na vila onde tudo acontecia. Juntavam-se os homens nos largos, nas praças e à sombra das árvores. Já as mulheres ficavam em casa ou sentadas em cadeiras de madeira as portas das casas, conversando entre elas e vigiando as crianças que brincavam na rua. Hoje, essas praças estão cheias de restaurantes, por vezes duvidosos, onde as ementas são plastificadas com fotografias dos pratos. As cadeiras de madeira compõem as esplanadas das vilas costeiras, tão em voga.

As viagens das pessoas em direção do sul e aos seus prazeres contrasta com outras viagens, mais tristes, daqueles que saíram em busca de melhores vidas. A terra e o mar davam sustento, mas só davam o suficiente, e fora das grandes cidades tornou-se difícil sustentar uma família. Portugueses, Italianos, Espanhóis ou Gregos seguiram para outros destinos, outros países e outros continentes. Mas por lá criaram cantos novos do mundo mediterrânico, extensões das suas próprias culturas.

O campo sempre deu o que poderia dar e o mar assim o fez também. As montanhas contribuíram igualmente com muito. Foi curiosamente nos picos italianos e espanhóis que surgiram os comerciantes de gelo ou de neve e que mais tarde nos deram os deliciosos gelados de bolas tão apreciados pelos veraneantes. As cidades e os portos, hoje marinas exuberantes, proporcionaram o comércio, as trocas e trouxeram também com isso toda a vida vibrante e colorida, característica de qualquer cidade do sul.

O sul da Europa é belo porque é único, pelas suas inúmeras camadas culturais e toda essa história de altos e baixos que contribuíram para a sua riqueza e para a sua identidade. Mas é ao mesmo tempo tão frágil. No meio de tanta beleza, tanto bem-estar, o desespero está sempre à espreita.