Numa tarde, enquanto caminhava errante, um estranho decidiu parar num pequeno largo onde quatro caminhos se cruzavam. Ficou parado nesse cruzamento que separava quatro campos agrícolas que pertenciam a quatro agricultores diferentes. Este homem magro, um forasteiro, pois não era de ali, usava um chapéu alto com quatro cores. Um lado era branco, outro amarelo, outro verde e o outro encarnado. Colocou-se de forma que cada uma das cores ficasse virada para cada um dos campos agrícolas que ali faziam junção. Manteve-se ali de pé por algum tempo. Depois chegou o fim do dia, e seguiu o seu caminho.

De facto, há fenómenos que não mudam. Podem passar séculos ou milénios e os mesmos mecanismos mantêm-se bem presentes. Em relação à inflação, a desvalorização voluntária do próprio dinheiro, parece-me ter sido sempre o grande “tónico “para esta se colocar em marcha. Quando as moedas eram feitas de metais preciosos a solução foi a diluição das mesmas com outros metais, menos preciosos. Quando as moedas passaram a ser de metais não-preciosos, a solução foi torná-las ainda mais finas ou leves. Quando passámos a ter moeda papel, a solução foi ademais simplificada, bastou ser necessário um acordo para se introduzir mais dinheiro no sistema.

Decorre neste momento uma guerra, uma batalha ou conflito verdadeiro. Uma guerra no seu significado ou sentido verdadeiro. Dizia-se antes dos recentes desenvolvimentos que estávamos numa outra guerra, mas esta foi mais uma luta para travar uma pandemia. Os preços dos bens essenciais já se encontravam a subir, iam escalando já antes de qualquer um destes acontecimentos. Agora notam-se bem mais, não só pelo grau de incremento, mas também pelo contexto e pelas pressões diretas exercidas sobre os vários bens afetados.

Tudo acontece devagarinho até acontecer de repente. O que pode ser considerado errado não é ser incapaz de antever ou adivinhar uma pandemia ou uma guerra, ou qualquer outro fenómeno com impactos negativos, como escassez de oferta. O que é ironicamente nocivo é achar que nada pode interromper uma sequência ou fase aparentemente positiva. Existe também falácia em não entender que efeitos de segunda ou terceira ordem tendem a suceder quando as cadeias de produção e fornecimento estão tão interligadas e interdependentes.

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Não havia muito sentido ou lógica nos constantes atos a que assistimos de anúncio de que tudo estava bem. Os rendimentos estavam estáticos, os ordenados também. O nosso poder de compra em declínio. As subidas de preço em certos bens ou ativos contrastavam com estes aspetos sociais e com a produtividade em geral. Os acréscimos de preços, depois de se manifestarem em certos bens ou ativos, teriam sempre de permear para outras áreas pois o dinheiro fácil vai procurando novos refúgios.

Os preços altos, hoje, já não são vistos como um resultado positivo de alguma política ou estratégia de crescimento, ou o preço a pagar por algum “reset”. A narrativa mudou, são atribuídos ao desastre da guerra. São comunicados como sendo negativos, e claro que são, mas da mesma forma que devem ser considerados como tal sempre que estes proporcionem dificuldades ou desigualdades excessivas na sociedade. Há um ciclo nas coisas que se dizem e se ouvem, começa por ser ousado dizê-las, depois passam a ser mais mencionadas. Este processo termina numa inversão, com ser ousado não as proferir.

Para agravar tudo, foram-se desconsiderando práticas básicas, validadas por séculos de atividade humana ou mesmo por milénios de evolução e aperfeiçoamento dos mecanismos e soluções da própria natureza. Dando só um exemplo entre muitos, e identificando uma situação que ficou bem exposta agora, pouco se tem incentivado a produção de cereais, muito se tem criticado também sistemas de pastoreio com animais. Passou-se a falar, e inclusive a especular, sobre a produção de insetos para a alimentação humana e outros fins. O mesmo se aplica também ao que se chama, até orgulhosamente, carne falsa.

Ouvi alguém inteligente dizer que se nos mostrassem uma fotografia de um determinado espaço, de uma sala ou um escritório, de onde todos os ecrãs tivessem sido removidos, não seriamos capazes de saber de que década dos últimos cinquenta anos se tratava. Os avanços no mundo físico estão curiosamente estáticos. Já os avanços virtuais têm sido monumentais. No que diz respeito a técnicas, os últimos cinquenta anos foram no fundo mais dedicados a simular avanços do que a avanços propriamente. Podemos dizer que economicamente e financeiramente talvez tenha sucedido o mesmo.

Discutimos se a inflação é branca por ser transitória, encarnada devido à guerra, amarela devido à doença ou se calhar verde por causa dos constrangimentos ambientais. Voltando à história do início deste texto, nessa noite, na taberna daquela aldeia, houve uma grande discussão que acabou numa série de brigas. Os quatro agricultores que estavam a trabalhar nos seus campos tinham visto a personagem e ficaram intrigados. Comentaram o acontecimento uns com os outros, mas ao invés de a conversa ser esclarecedora, os quatro agricultores acabaram por discordar sobre a cor do chapéu do forasteiro, um dizia que era verde, outro dizia que era amarelo, outro dizia que era branco e o outro dizia que era encarnado. O forasteiro, ou melhor, o trapaceiro, escondia-se do lado de fora da taberna com o chapéu colorido no bolso, ria se sozinho enquanto estas discussões sucediam.