1 A condição necessária ao juízo de inconstitucionalidade

Portugal tem excelentes juristas constitucionalistas, mas é interessante observar que nas áreas orçamentais e económicas são frequentes as interpretações literais que acabam por não prevalecer, tal com se crê que acontecerá no debate sobre a constitucionalidade dos três diplomas aprovados pela AR e promulgados pelo Presidente, os quais implicam um aumento de apoio de 40 milhões de euros a cerca  de 100 mil portugueses muito necessitados.

O argumento da inconstitucionalidade baseia-se no Artigo 167º-2 da Constituição, que não permite a apresentação de propostas de lei que “envolvam… aumento da despesa” relativamente à orçamentada, constituindo-se, assim, o Orçamento aprovado em travão para maiores défices e garantindo-se, assim, a desejável estabilidade de gestão orçamental.

Todavia, este argumento implica poder demonstrar a implicação lógica entre o apoio adicional de 40 milhões de euros e o aumento de despesa, o que não é possível alcançar por três motivos :

  • A gestão orçamental – muito especialmente em períodos de crise pandémica – implica ir adaptando as disponibilidades às necessidades através das alterações orçamentais, segundo critérios estabelecidos, o que, aliás, está previsto no Artigo 105º-4 ao referir-se aos “ critérios que deverão presidir às alterações que, durante a execução, poderão ser introduzidas pelo Governo”. Esta prática tem sido amplamente usada, designadamente através de numerosos instrumentos de gestão, tais como o atraso na publicação dos diplomas  subsequentes à aprovação do Orçamento e que são necessários à sua execução, as infindáveis cativações, etc.,  o que ajuda a explicar a redução da despesa em 2020 face ao previsto, da ordem de milhares de milhões de euros.
  • O montante em causa é inferior a 0,4 por mil do Orçamento aprovado e, como tal, é facilmente acomodável, bastando para tal pequena recalendarização da execução de outros programas sem natureza social, sendo esta diferença bem inferior à de muitas outras alterações que irão certamente existir face a imponderáveis relacionados com as PPPs, a banca ou a TAP.
  • Ao contrário do que foi sugerido pelo PM, a acomodação desta despesa não teria de ser feita dentro do orçamento para apoio social pois o Orçamento não é constituído por sub-orçamentos estanques e blindados. Na verdade, se assim fosse, tal adaptação não seria possível mas, pelo contrário, tal interpretação é que é inconstitucional, pois o artigo 105º-3 esclarece que o Orçamento “é unitário”.

Em suma, não é demonstrável a condição necessária ao juízo de  inconstitucionalidade.

2 A condição suficiente de justificação política

Julga-se ser consensual, que a boa gestão do Estado implica estabilidade orçamental a qual, aliás, também poder ser inferida da própria Constituição, pelo que a segunda questão a considerar é saber se estes diplomas têm a fundamentação política suficiente, de modo a que não sejam considerados fator de instabilidade na gestão pública.

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Ora, convém recordar que o Orçamento foi aprovado em Novembro de 2020, muito antes de o Governo não acautelar as medidas de confinamento para o Natal, de surgir a nova e dramática vaga da Covid-19 , de Portugal ter vivido o mês de Janeiro mais dramático em termos de saúde pública do último século e de ter sido necessário adotar novas e extensas medidas de confinamento generalizado.

Será razoável considerar que, em Novembro, parlamentares e Governo deveriam ter preparado um Orçamento já admitindo os novos e trágicos efeitos sociais e económicos da retoma do confinamento de janeiro a abril de 2021?

É bem evidente que não, pelo que é indiscutível a existência de condição política justificativa de exceção relativamente à pequena alteração agora proposta. Aliás, a questão política que se pode colocar é simétrica: se o Orçamento aprovado estava adaptado às previsões anteriores em termos de apoio social, como justificar que o mesmo Orçamento esteja adaptado a vencer adversidade tão distinta da prevista?

Ou seja, os factos permitem demonstrar a existência da condição política suficiente para fundamentar esta proposta.

3 Próximos passos?

Em resumo, julga-se ter demonstrado que não existe a condição necessária ao juízo de inconstitucionalidade e que existe a condição suficiente para a devida fundamentação política.

Aqui chegados, importa que o Governo não atrase o início da execução dos novos diplomas e desejável será, que o Tribunal Constitucional não os considere inconstitucionais. Todavia, e se assim não for, a melhor sugestão talvez seja a da AR voltar a aprovar os mesmos diplomas adicionando uma disposição, esclarecendo que “os apoios devem ser atribuídos sem acarretar aumento global da despesa orçamental e, se necessário,  recorrendo a alterações orçamentais baseadas na reprogramação de outros programas sem impacto social”.