A expressão é usada comummente para representar uma expressão de afeto que na verdade provoca um dano. Um comportamento que, independentemente da sua verdadeira razão de ser, aparenta uma intenção mas tem um resultado diverso.

Mais ou menos como o que se tem verificado com a figura do mais alto magistrado da nação, o Presidente da República, o Presidente de todos os portugueses.

Marcelo Rebelo de Sousa, o simpático professor, foi eleito ao volante do seu próprio carro, anos a fio depois de nos entrar em casa pela tela das nossas televisões, com uma campanha feita de uma palavra: afetos.

Ele, que tem uma carreira de competência, sucesso e brilhantismo, carecia de uma palavra de humanismo que o transformasse, por vez de um meritório tecnocrata, no melhor amigo dos portugueses em claro contraste com o seu antecessor.

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E venceu.

Venceu com mérito e com o mesmo mérito seguiu o caminho que iniciara na campanha. Manteve o registo do exemplo da bondade, generosidade e bom senso, apartando o cinzentismo com que, por exemplo, se distinguiu quando foi líder partidário.

Mas ser presidente deste País é influenciar o rumo do dirigismo político. É exercer a dita magistratura de influência numa posição despida de poderes executivos.

Dos poucos momentos em que o Presidente de todos nós pode eficazmente exercer os seus poderes constitucionais é na decisão sobre promulgação ou veto de leis ou decretos-lei que lhe cheguem às mãos.

O processo legislativo atribui-lhe um papel fundamental, permitindo-lhe enviar o texto de leis para o Tribunal Constitucional, quando entenda que pode haver inconstitucionalidades, ou simplesmente manifestar-se contra o diploma, vetando-o politicamente.

Porém, ele próprio, o professor, ensinou que há uma terceira via.

Na verdade, a nossa Constituição, a da República que é nossa, nada diz quando o Presidente desta República nada faz.

É o chamado “veto de gaveta”.

Recebido o texto legislativo para promulgação, caso o Presidente desta República Constitucional não promulgue, não envie para o Tribunal Constitucional nem vete politicamente o documento, não há qualquer consequência senão a interpretação política de uma certa relutância em promulgar um documento. Um sequestro do documento dirão.

O nosso Presidente habituou-nos a isso e talvez fosse essa a melhor opção agora. Nada fazer.

Nada fazer quanto a este texto e exercer a dita influência para que a voz nos seja dada.

E depois… Depois de todos nós falarmos, faça então, no uso dos seus poderes, aquilo que bem entender. Remeta para fiscalização preventiva. Vete politicamente. Promulgue. Nessa altura, faça como bem entender na certeza que cá estaremos para votar no Presidente que queremos para Portugal.

Mas agora, faça nada e dê-nos a palavra.

Em Tancos, exigiu que todas as responsabilidades fossem apuradas num discurso casuístico e aquém de convicente. Todos percebemos que não foi eficaz.

Quando confrontado com a possibilidade de o seu primeiro-ministro se demitir, nada disse.

Em Pedrogão distribuiu abraços, um deles muito célebre pelo momento captado por uma lente, que ilustrou com mestria e detalhe o sofrimento do país que chorou a tragédia.

Agora sim senhor Presidente.

Agora é que Portugal precisa do seu silêncio.

Agora é que Portugal precisa de um abraço seu.

Um abraço daqueles que salvam. Não dos que matam.

* advogado