Recordamos hoje, no dia da Europa, aquele que é o ato fundador da integração europeia, a famosa Declaração de 1950 do ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Robert Schuman, na qual propôs subordinar a produção franco-alemã de carvão e aço a uma entidade supranacional. Teria sido irónico – para não dizer paradoxal – que, dias antes de assinalarmos esta data, tivesse vindo da própria França um sinal do fim do projeto lançado pela Declaração Schuman.
A Europa esteve de olhos postos em França: a eleição de domingo passado era decisiva para o futuro do projeto europeu. De um lado, o programa pró-europeu e reformista de Emmanuel Macron, do outro lado, o programa nacionalista e anti-europeu de Marine Le Pen. Saiu vitorioso, com uma maioria expressiva, o primeiro. Este é um resultado que só pode ser saudado por todos quantos defendem a Europa, uma vez que a alternativa poria em causa as fundações em que assenta a própria integração europeia. Muito mais que, por exemplo, o Brexit. O Reino Unido tomou a decisão de sair, mas de modo algum questiona a existência da União Europeia ou os seus méritos, pretendendo manter no futuro uma parceria estratégia com Bruxelas.
A vitória do En Marche! nas presidenciais francesas reveste-se ainda de maior importância em face do momento de redefinição vivido pela União. O esforço de reflexão, que o Brexit tornou obrigatório, era já premente. A Declaração Schuman afirmava que a Europa far-se-ia “através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto”. Mas, o que vimos nas crises profundas dos últimos anos foi precisamente um impulso centrífugo, com Estados-membros a puxar, antes de mais, pelos seus interesses e sem ponderar os efeitos globais de tais decisões. A prossecução de agendas nacionais que bloqueiam o funcionamento da própria UE não é certamente do interesse de ninguém, nem da UE nem dos Estados-membros.
Uma das lições que as múltiplas crises europeias da última década nos têm recordado é a insegurança relativa às conquistas alcançadas pela União. Basta olharmos para o Espaço Schengen que tem vindo a ser questionado pela pressão migratória e pela ameaça terrorista. O fim de Schengen acarretaria certamente uma profunda transformação na Europa. As implicações económicas de tal possibilidade são suficientemente claras: segundo um estudo de 2016, da Fundação Bertelsmann, sobre o fim de Schengen, a economia europeia sofreria um impacto na ordem dos 470 mil milhões de euros a dez anos (2016-2025) e isto no melhor dos cenários. Mas há outras implicações, designadamente no que toca à livre circulação dos cidadãos.
Salvaguardar as conquistas europeias e atender aos desafios do presente implica que a União Europeia seja capaz de se reformar, não tanto do ponto de vista da arquitetura institucional, como dos resultados tangíveis que se espera que proporcione aos cidadãos: em dimensões tão distintas como a União Económica e Monetária, em todas as suas dimensões incluindo a social; o Sistema Europeu Comum de Asilo; ou a Política Comum de Segurança e Defesa. Em suma, as expetativas dos cidadãos e a ação da União Europeia precisam definitivamente de estar mais alinhadas.
Que resultados pretendemos e como os queremos alcançar é matéria do debate em curso sobre o futuro da Europa, que tem como documentos enquadradores o Livro Branco da Comissão Europeia e a Declaração da Cimeira de Roma. Este é um processo que se desenrolará até ao final do ano, pelo que faz sentido falarmos de um ano de transição, mas também de um “Ano da Europa”.
A vitória, num Estado-membro fundador da União Europeia como a França, de um projeto político que defende uma Europa aberta ao mundo, mas capaz de proteger os seus cidadãos, e que ousa celebrar ao som da “Ode à Alegria”, dá-nos mais confiança quanto a uma renovação bem-sucedida do projeto europeu.
Secretária de Estado dos Assuntos Europeus