O acordo sobre o mecanismo do Estado de Direito que na última semana se alcançou na União Europeia, é mais um marco a alicerçar o cumprimento das expectativas que os cidadãos europeus esperam dos seus representantes que elegeram para o Parlamento Europeu.

E reveste-se de particular importância neste período de tempos tão excecionais. Alguns Estados-membros teimam em não respeitar o Estado de Direito. Enorme incerteza provocada pela pandemia que nos afeta com uma profunda e generalizada crise em quase todos os sectores, exigem respostas que mitiguem brutais impactos. Mas respostas que se inscrevam nos valores e princípios fundadores do  acervo comunitário – o mesmo é dizer, assentes na base comum de direitos e obrigações que vinculam os 27 Estados enquanto membros da União Europeia.

O mecanismo europeu para o Estado de Direito agora acordado estabelece um sistema de diálogo regular entre a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu, para que, em conjunto com os Estados-membros, os parlamentos nacionais, a sociedade civil e outras organizações pertinentes, se aprofunde o cumprimento do Estado de Direito em cada um dos Estados-membros.

Vem, justamente, reiterar o compromisso com o respeito pelo Estado de Direito entre os 27, como condicionalidade para aceder ao Orçamento da UE, permitindo reagir de forma eficaz a ameaças sistémicas aos valores plasmados no artigo 2.º do Tratado da UE. Recorde-se que este  artigo estatuiu claramente:

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A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.

Com este novo mecanismo garante-se o respeito pelo Estado de Direito, bem como pelos direitos fundamentais, assegurando, assim, a proteção do orçamento da UE contra ameaças que possam envolver uma utilização indevida dos fundos europeus. Os recursos que a UE irá colocar à disposição dos Estados-membros – ou seja, o Quadro Financeiro Plurianual e o Fundo de Recuperação -, são financiados, direta ou indiretamente, pelos cidadãos europeus.

E seria imperdoável não ver garantida a exigência do cumprimento de princípios como a transparência e o bom uso dos dinheiros públicos no âmbito do compromisso das prioridades políticas europeias, isto é, no compromisso dos valores europeus.

Este acordo vem proteger, e esta era uma exigência fundamental do lado do Parlamento Europeu, os beneficiários finais dos programas (por exemplo, investigadores, empresas que recebam fundos comunitários, etc.), mesmo em caso de incumprimento de obrigações por parte dos respetivos governos. Ao mesmo tempo, protege os valores europeus e direitos fundamentais.

Por isso, representa um passo comprometido com o futuro que queremos ver afirmado e bem defendido nos países: um efetivo respeito pelo Estado de Direito com um braço preventivo e uma definição de risco sério. Desta vez, pode, de forma eficaz e aplicável, ser acionado o mecanismo caso haja sério risco de se verificarem circunstâncias que afetem o Estado de Direito e que possam comprometer o orçamento da União.  Para além deste braço preventivo, vários casos a título exemplificativo são enunciados, clarificando, desta forma, o seu âmbito de aplicação tais como ameaças à independência do poder judicial, decisões judiciais arbitrárias ou ilegais.

E para assegurar a eficácia deste mecanismo, a aprovação das suas decisões será feita por maioria qualificada e não por unanimidade dos Estados-membros, decisões essas que deverão ainda ser tomadas dentro de um determinado período de tempo de modo a evitar adiamentos que comprometam a sua eficácia.

A aprovação deste mecanismo reitera ainda as condições definidas no Tratado da União Europeia (artigo 49.º) e os princípios (artigo 6.º, n.º 1) que qualquer país que pretenda aderir à UE deve respeitar.É bom lembrar que, desde 1993 – ou seja, muito antes dos últimos alargamentos -, para poderem integrar a UE, todos os países candidatos têm de cumprir os três critérios de pré-adesão formulados pelo Conselho Europeu de Copenhaga e reconfirmados pelo Conselho Europeu de Madrid em 1995. Destacamos o primeiro  critério: “Estabilidade das instituições que garantem a democracia, o Estado de Direito, os direitos humanos e o respeito pelas minorias e a sua proteção.”

A avaliação da aplicação desse compromisso será plasmada anualmente no relatório da Comissão de Veneza e no relatório anual sobre o Estado de Direito na UE elaborado pela Comissão Europeia. Lembremos que a Comissão de Veneza é o órgão consultivo do Conselho da Europa para as questões constitucionais, o qual baseia, precisamente, a sua atividade em três princípios fundadores da herança constitucional comum aos países membros: instituições democráticas, direitos fundamentais dos cidadãos e Estado de Direito.

Temos consciência de que este é o acordo possível para que a resposta europeia à crise chegue atempadamente aos cidadãos e aos Estados. Não esquecemos que as consequências globais do não cumprimento do Estado de Direito estão consignadas no artigo 7.º do Tratado da UE.

A garantia de que a comunidade que queremos ver construída e na qual queremos viver desenvolve e fortalece cada vez mais os laços de confiança com os seus cidadãos, recebe, com este mecanismo, mais uma prova decisiva do empenhamento das instituições europeias na sua edificação: o compromisso efetivo com o Estado de Direito na UE.

Como, recentemente, afirmou Ursula von der Leyen, “a Europa começou como um ideal de uns poucos. Tornou-se uma oportunidade para muitos. É agora chamada a ser responsável pela recuperação coletiva e por um futuro comum”. Certamente, que no respeito pelo Estado de Direito e pelos Direitos Fundamentais. Porque nunca antes, o futuro foi tão presente.