A teoria do aquecimento global é relativamente recente. Há alguns anos, a opinião pública tinha a ideia contrária: o mundo corria um sério risco de uma nova glaciação! Quem não se lembra dos filmes que previam Nova Iorque com temperaturas polares e a América do Norte transformada numa nova Gronelândia?!

Não se pode negar o aquecimento global, mas deve-se questionar a visão, mais sensacionalista do que científica, que algumas pessoas e instituições dão deste fenómeno meteorológico. A História sabe que as variações climáticas são naturais – há períodos de aquecimento e de arrefecimento globais – e não têm por que ser catastróficas.

Com certeza que nunca será de mais chamar a atenção de todas as pessoas, sobretudo as que têm responsabilidades políticas, para a necessidade e urgência do cuidado da natureza, como fez o Papa Francisco, com a encíclica Laudato sí. Mas é o Evangelho, e não a ecologia, que a Igreja tem por missão proclamar, e o aquecimento global não pode ser usado para amedrontar os mais ingénuos, distraindo-os das grandes causas humanitárias, como são a miséria, as perseguições religiosas, o drama dos refugiados, o holocausto dos milhões de seres humanos mortos antes de nascer, etc.

O registo científico das temperaturas ambientais é relativamente recente e, por isso, quando alguém presume que se bateu um recorde climático, é sempre em relação a um tempo breve: o verão mais quente das últimas décadas; ou o inverno mais frio do meio século.

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A única constância meteorológica parece ser, paradoxalmente, a sua inconstância e, por isso, já no século XVI havia memória dos caprichos da natureza. Gil Vicente, na Romagem dos Agravados, dizia: “chove quando não quero / e faz hum sol das estrelas / quando chuva alguma espero. / Ora alaga o semeado, / ora seca quant’hi há /ora venta sem recado, / ora neva e mata o gado!”.

Dê-se ao poeta e dramaturgo o desconto devido à sua arte, mas sem esquecer que documentos coevos provam que houve, por razões de ordem natural, uma grande fome em 1545 e 1546. Como escreveu a historiadora Elaine Sanceau, “a mesma queixa consta da carta de D. Garcia de Albuquerque, sogro da filha de D. João de Castro – ‘qua vay grande fame e quarestya’. Pelo que diz, parece que às chuvas superabundantes, do princípio do Verão, sucederam ventos secos e frios – ‘até agora’ (a data é de 20 de Novembro) ‘ventaram nortes’, porém há dois dias que chove e se mudou o vendaval”.

Trinta anos depois, registou-se outro fenómeno natural extraordinário. Com efeito, no ano de 1575, “forão tão contínuas e caudalosas as águas que choverão desde 3 de Outubro até ao último de Dezembro, ocasionando lastimosas consequências, pois levaram envoltas na sua precipitada corrente os muros e vallados de muitas quintas, como também sumptuosos edifícios. Da cópia das águas se formou hum lago, que cercava a praça do Rocio e Rua Nova, e com tal excesso se engrossou o mar, que conduziu à terra grande número de animais affogados neste dilúvio.

O que então se chamou, com linguagem bíblica, dilúvio, hoje dir-se-ia ser um maremoto, ou tsunami, e, decerto, atribuir-se-iam as cheias ao aquecimento global, que tem as costas largas.

Mas também houve, então como agora, falsos alarmes. É ainda Elaine Sanceau que recorda “um vaticínio citado por João de Barros, segundo o qual muitos astrólogos da Europa anunciaram que, no ano de 1524, ‘se fazia uma conjunção de todolos os planetas na casa de Pices, que prognosticava quasi diluvio geral, ou ao menos de muitas partes da terra, principalmente na costa marítima’.”    

Segundo a mesma historiadora, “o espanto foi enorme. Em Portugal, afirma Barros, houve ‘pessoas nobres’ – e sobretudo prudentes – que mandaram fazer abrigos em serras altas, bem fornecidos de biscoito e provisões, para se acolherem quando vissem subir as águas, que naturalmente, não calculavam chegassem a cobrir os montes, como no tempo de Noé”, com o dilúvio universal. Maior foi o pânico nos Países Baixos, por lá não existirem terras elevadas para onde pudesse fugir a população do litoral, no caso de uma muito significativa subida do nível das águas do mar, que já na altura se dizia ser iminente.

João de Barros, troçando da credulidade dos que fugiram para o cimo das serras, diz que aqueles cristãos eram menos piedosos dos que os ninivitas, que fizeram penitência, para evitar a destruição de Nínive, preconizada pelo profeta Jonas. Os que Barros chama “ninivitas do nosso tempo”, em vez de jejuns e orações, precaveram-se de “biscoitos e de outras provisões para segurar a vida, sem reparar sua alma para o que Deus quisesse fazer deles”.

Diga-se, ainda, que o vaticínio dos astrólogos, ou astrónomos, daquele tempo, não deu em nada pois, segundo João de Barros, “o ano pecou mais de secco que de invernoso!” – seria já uma manifestação do aquecimento global?! – o que o levou a concluir, com manifesto desdém, que tudo não passara de uma “fábula de ignorantes astrólogos”.

Não se seja incrédulo ao ponto de negar o aquecimento global que, para os católicos, é uma verdade de fé, não na sua discutível expressão climática, mas na sua inegável dimensão escatológica: as chamas do purgatório e do inferno, a ‘geena’ onde “o fogo não se apaga” (Mc 9, 43-48; Is 66, 24).

Mesmo não sendo o aquecimento global uma “fábula de ignorantes astrólogos”, é avisado o comentário de Sanceau, quando nos previne para o perigo de um clima de medo que, este sim, seria real: “As previsões e prognósticos de tempo que correm hoje em dia, para nos desanimar, ameaçando-nos, se não com o dilúvio, ao menos com trinta dias seguidos de chuva e frio! Já não se trata de dizeres de astrólogos, mas de assertos de cientistas, baseados em radar, observações interespaciais, e mais estudos complicados”. Já então a historiadora, com o espírito crítico que se espera de um cientista e a constatação empírica de um tempo contrário às aziagas previsões, concluía com bom senso e esperança: “Ainda assim, teriam eles infalivelmente razão? Peço licença para duvidar … tanto mais que esses trinta dias de chuva e frio se mudaram no sol radioso”!