No fim de um ano em que o Alentejo esteve verde, choveu um pouco por todo o país e o nível de água no solo esteve em valores confortáveis, temos vivido na ilusão de que o risco de incêndio está afastado ou fortemente diminuído. Ao longo deste verão os incêndios rurais têm sido controlados pelo ataque inicial dos meios dos bombeiros e da proteção civil. Os acontecimentos desta segunda-feira destroem de um fôlego esta ilusão.

O aquecimento veio para ficar. Nas três décadas entre 1980 e 2009 o máximo de 50 graus de temperatura no mundo foi em média ultrapassado catorze dias por ano, mas nas duas décadas seguintes a média subiu para vinte e seis dias por ano. As localidades mais atingidas situam-se no Médio Oriente ou no Golfo Pérsico. No último verão a temperatura atingiu 48.8 graus em Itália e 49.6 no Canadá. No dia 29 de maio deste ano a capital da Índia, Nova Deli, atingiu a temperatura mais alta registada no país, onde um único sensor mediu 52.9 graus, e vários outros se aproximaram perigosamente dos 50 graus.

A mudança climática prossegue de forma inexorável. É verdade que tivemos períodos nos quais a taxa de aquecimento medida se mostrou um pouco inferior ao previsto pelos modelos numéricos, apesar de a temperatura média estar sempre a aumentar. Foi o que ocorreu no período entre 1998 e 2012, conhecido na literatura científica como “hiato” e que fez ressuscitar algum negacionismo apressado. Infelizmente, este período foi sol de pouca dura e na parte final começa a verificar-se uma aceleração da taxa de aquecimento, passando de 0.18ºC por década para um valor perto do dobro. Os negacionistas apressados voltaram para debaixo da sua pedra e esta taxa ainda hoje se mantém.

Para os dias 16 e 17 de setembro, a previsão meteorológica apontava para valores de perigosidade de incêndio rural próximos de máximos históricos em vários distritos do centro e oeste. Infelizmente aquilo que era uma probabilidade elevada transformou-se numa realidade assustadora. Os condimentos estão aí: a subida da temperatura, a redução da humidade relativa, o vento e… o combustível.

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Quer queiramos quer não, o coberto vegetal vai-se adaptar a este novo clima. E em muitas zonas do país nós encarregámo-nos, por incúria ou por falta de alternativas, de criar os ambientes propícios ao desencadeamento e propagação de incêndios que podem ser devastadores. E aqui alguma coisa de diferente tem de ser feito.

Ao contrário de uma discussão muito antiga sobre privilegiar a prevenção ou os meios de combate, não existe contradição entre os meios necessários para o combate aos incêndios e as ações que têm de ser conduzidas do lado do ordenamento do território. Os meios de combate começam a ter a dimensão que é necessária e precisarão sempre de ser completados com meios europeus, sendo exigível que a defesa possua capacidades de último recurso que devem poder aceder a qualquer parcela do território nacional.

Não quero dizer que não foram desenvolvidos grandes esforços pelo sistema de proteção civil no seu todo ou que não existem exemplos de modificação da paisagem altamente meritórios. Mas não acredito que seja possível uma alteração significativa da situação sem que os espaços rurais e florestais sejam geridos de forma economicamente sustentável, sendo os financiamentos públicos subsidiários.

E, depois de um ciclo que foi marcado por uma razoável pluviosidade, é muito difícil, pouco popular, mas absolutamente necessário, transmitir a mensagem de que temos de nos preparar para um ciclo de estio que pode ser longo com todas as consequências que daí irão resultar. Estamos sempre a tempo de infletir o caminho, mas enquanto não o fizermos iremos pôr à prova aqueles que estão na linha da frente.