Por fim, bocejemos: o Estado terá o seu Orçamento. Adivinhando-se já a aprovação de um documento cujo conteúdo se desconhece, depois de semanas de uma tensão que esmaga os espíritos mais toscos, toda feita de trocas de acusações a respeito de um documento cujo conteúdo ninguém conhecia, emaranhados na desgraçadamente pobre, mas encantadoramente feliz, discussão sobre duas míseras propostas fiscais, assegura-se agora a continuidade do Governo e das oposições por mais tempo do que se terá pensado, fruto da famosa e apreciada habilidade política e do calendário imposto pelas normas constitucionais.

Bocejemos, pois. O Orçamento, tal qual ele se prevê, nada muda, nada transforma, nada promete, ou não seria sequer aprovado. Não esboça sequer um pequeno rasgão sobre o futuro de um país que já não é bem um país, antes uma comunidade de tansos felizes e ruminantes, que voltam, perante a alternância partidária, a mascar pratos já mastigados, regressados do estômago à boca. Seria um descanso, em teoria, este estádio de desenvolvimento em que as eleições mudam tudo e deixam tudo na mesma.

Chegou, então, o tempo dos elogios aos arlequins políticos que, à falta de melhor para mostrar, exibem, com este cabo das Tormentas orçamental, o único mérito a que, na verdade, sempre se propuseram: a sobrevivência. Não é coisa pouca, num país de mortos-vivos, conceda-se. E posso mesmo estar a cometer alguma injustiça, já que ninguém lhes ordenou outra coisa. Talvez mesmo ninguém lhes tenha imposto nada, na verdade. Mas a sobrevivência era o mínimo exigido por quem e a quem lidera estas engenhocas a que, por dever constitucional, chamamos “Governo”, “Oposição” ou “Presidente da República”. Propuseram-se a sobreviver, conseguiram – ou conseguirão, presumo.

Parece hercúleo, mas trata-se, afinal, de uma espécie de política reduzida, como um molho para bifes, em que a manutenção no poder, que é razão atendível, passa a ser a única motivação, e para a qual se reclama um par de ideias políticas, aparentemente fundamentais para todos os intervenientes no jogo, como que para justificar uma causa, um projecto, um ideal, um futuro, que na realidade não existem. É a política onde não há, em bom rigor, política, mas apenas xadrez partidário. A democracia, em terra de joguetes, parece ter sido inventada exclusivamente para entreter e servir clientelas.

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A análise política feita por profissionais, não raras vezes verdadeiros prestadores de serviços à situação, corresponderá à necessidade do elogio, babujando toda a cavalgadura que lhe caia no goto, baseando-se no mais recente mantra que estipula que «os portugueses não querem eleições», como se os portugueses soubessem sequer o que querem, e como se os agentes da política, os pagos pelo Estado e os pagos pela imprensa e pelas televisões, soubessem o que os portugueses querem. E como se o papel de um Governo não fosse mais oferecer aquilo de que um país precisa, do que aquilo que possa hipoteticamente querer.

Mesmo o Governo desta nova Aliança Democrática, na prática rendido à grande lição do Partido Socialista que determina que governar não é mais que distribuir misérias e manter-se no poder, e salvando-se os bem intencionados que nele subsistem, supõe adivinhar o que o país ambiciona: umas bolsas de moedas atiradas a quem, queixosamente, produz mais ruído mediático e ficar à espera de um silêncio de pedinte agradecido de 10 milhões de almas.

Oxalá não lhe caia o céu sobre a cabeça, como já os bombeiros fizeram adivinhar na passada semana, deixando antever uma avalanche de brutos, um exército de enganados pela ideia de que num Estado amplamente endividado tudo é possível para todos, a desfilar sobre este pasto de cobardia, sob o beneplácito e a cumplicidade, ou mesmo a competência, de um eventual chefe que dê melhor voz ao desalento do que os tontos que por aí se proclamam «anti-sistema». Boceje-se, por ora, enquanto se pode, que é o que se faz na bonança.