História verdadeira: a Ana Rute sai para fazer umas compras em São Paulo e, explicando que não é dali, pede a uma senhora na rua pelo mercado mais próximo. A senhora paulista indica o caminho e pergunta-lhe de onde ela vem. Ao ouvir a Rute responder que veio de Lisboa, comenta: “até que fala bem português!”

É. Este também é o Brasil de 2022. Por um lado, afastado de Portugal, por outro, sem vergonha de o ocupar quando, emigrando, busca uma vida diferente entre nós. De pouco serve escandalizarmo-nos pelo facto da nossa língua, como ela é falada na Europa, soar estranha. Essa estranheza não impede que os brasileiros se aventurem numa vida nova entre nós. E estou convicto de que a vida nova que os brasileiros descobrem em Portugal é das melhores coisas que nos aconteceu.

É a segunda vez que estou em São Paulo e mais admirado fico agora. Que cidade. Imensa, implacável, irrefreável. São Paulo é uma cidade com um tipo de modernidade a léguas da experiência portuguesa. Não somos nem melhores nem piores por isso. Mas somos, como no Brasil não se diz, muito mais pequenos.

No Brasil dizer “mais pequeno” é tão errado como dizer “mais grande”. E é provavelmente o único caso que, em tanta discussão entre o português de Portugal e o português do Brasil, acho que o segundo tem razão. De facto, parece haver uma regra mais simples e objectiva em não usar as duas formas. Mas também é certo que encontro uma verdade poética em não ser errado em Portugal dizer “mais pequeno”.

Portugal tem muito espaço para fluxos inversos. Ao invés de sairmos para lugares mais amplos, temos vocação para nos enfiarmos em buracos mais fundos. Encafuarmo-nos em nós mesmos é uma ciência naturalíssima. Nunca nos passaria pela cabeça que a realidade fosse mais grande, mas mais pequena, claro que sim! Vivemos em processos constantes de auto-miniaturização.

Precisamos de gente que procure vida nova entre nós porque é essa gente que nos vai fazer pensar acerca da nossa familiaridade com o mais pequeno. Sem estrangeiros permanecemos místicos do nosso isolamento, que tomamos santo quando é apenas saloio. É até quando no Brasil me sinto mal tratado no idioma, que um Portugal diferente pode existir em mim. E menor, a maneira de emendar o mais pequeno, deixa de ter de ser o nosso futuro.

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