Acho que entendo quem afirma que o melhor do mundo são as crianças. Comparadas connosco, “contagia” a forma como elas fantasiam, como riem, como se entregam ao brincar e à festa, como se surpreendem, como se espantam e como adivinham, ou como apanham tudo no ar e discorrem com luz e de forma certeira. E é impossível não invejar o jeito, despido de preconceitos e de pré-juízos, como elas conhecem, que nos recorda que a ingenuidade dos sábios se resume ao modo como partem para o conhecimento sem outro motivo que não seja moverem-se pelo infatigável desejo de conhecer. E desconcerta a forma como pedem mimo e exigem colo, e não se inibem de pedir ajuda e de escutar com alma as pessoas em quem acreditam. E não há como não nos interpelar a forma como amam. Ou como o tempo, para elas, é uma imensidão de horas desiguais. E que é por isso tudo – e pelo modo como acreditam – que são bondosas. E são bonitas! É por isso que nós, ao pé delas, ficamos aquém. E não temos, à primeira vista, como ser o melhor do mundo. Ficando por uma imagem pálida daquilo que podíamos ser se não nos tivéssemos perdido, no entretanto, do melhor de nós. Daí que, comparadas connosco, o melhor do mundo sejam as crianças.

Mas, se o melhor do mundo são as crianças, isso supõe que deixámos de merecer que elas olhem para nós movidas pela admiração de virem a ser como somos. E, se for assim, o mundo fica virado de pernas para o ar. Como podemos esperar que cresçam se, ao repetirmos que elas são o melhor do mundo, acabamos por dar a entender que devíamos ser nós a ser como elas? E, sendo assim, como poderá o nosso crescimento ser o melhor exemplo para elas, quando – também quando as achamos o melhor do mundo – nos teremos desencontrado, aparentemente, para sempre, daquilo que a infância nos deu e que, por várias razões, deitámos a perder?

Mantermos viva “a criança” que há em nós também não me parece ser a fórmula certa para concorrermos com as crianças no sentido de sermos “o melhor do mundo”. Até porque “a criança que há em nós” é uma forma de muitas pessoas darem a entender um estar leve, descontraído, talvez um pouco eufórico e, até, distraído em relação ao que, de essencial, se passa à volta delas. Ora, as crianças são tudo aquilo que são mas, ao mesmo tempo, são atentas e meticulosas, na forma como lêem o mundo. E intimistas no modo como se relacionam, como se confiam, como sentem e como pensam. Logo, nada nelas é, aparentemente, volátil como acontece com muitas das pessoas que afirmam alimentar “a criança” que há em si. Por isso mesmo, preservarmos aquilo que as crianças têm de admirável não supõe que anulemos o nosso jeito adulto de pensar. Sermos crescidos e guardarmos o que as crianças têm de fundamental não é incompatível.

Acresce que eu acho que, não, o melhor do mundo não têm de ser as crianças. A forma como as crianças são só parece perdida algures no nosso passado porque desistimos, preguiçosamente, de ser pessoas melhores. E nos esquecemos que elas passam horas e horas a apurar um movimento para que, finalmente, saibam virar-se de bruços, por exemplo. Ou que, para acreditarem em nós, nos estudam, por dentro, por tempos intermináveis. E que só se confiam depois de sentirem que merecemos a sua confiança. Logo, trabalham constantemente para serem melhores. As crianças só são o melhor do mundo porque têm a humildade que nos falta. Porque reconhecem que nunca se cresce sozinho. E porque acreditam! Mas elas fazem tudo isso, sobretudo, porque se sentem o melhor do mundo para alguém. É essa segurança inabalável de terem quem as leia que as faz ter a liberdade de dar ouvidos à vida e de se entregarem a ela. Que faz com que lixo dos dias se depure. E cria condições para se entregarem a quem olhe por elas, as sinta e as escute – e as pense! – para além daquilo que as crianças, simplesmente, intuem e acabam a escarafunchar.

Daí que quando lidamos, nesta altura, com o Pai Natal, na linha desta ideia pessoana do melhor do mundo serem os mais pequeninos, haja sempre quem repita que o Natal é para as crianças. Como se só elas o vivessem, com convicção. Ou, numa versão mais minimalista, porque só elas acreditam no Pai Natal. Ora o Pai Natal é o carteiro de Deus. Traz-nos a oportunidade de percebermos para quem seremos “O Presente” entre os presentes. Ou o melhor do mundo. Para que, então sim, encontremos os motivos que nos levem a redescobrir a fantasia, o riso, o brincar e a festa. A sabedoria, o mimo e o colo. A bondade e a beleza. Que faz de cada um de nós, quando se sente amado, a razão das razões pelas quais há Natal.

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