Nos últimos meses não se falou de outra coisa: “o caso das gémeas”. Acende-se a rádio: “o caso das gémeas”. Acende-se a televisão: “o caso das gémeas”. Lê-se o jornal: “o caso das gémeas”. Abre-se a internet,: “o caso das gémeas”. Com o novo ano, a coisa reduziu, mas ainda há réplicas e o terramoto não acabou. O principal responsável por esta recorrência informativa, são os nossos órgãos de comunicação e os nossos políticos. Que nos vão informando das novidades. Fazem o seu trabalho, eu percebo, pois devem refletir as preocupações dos cidadãos e devem escrutinar o poder político, mas já pensaram nas gémeas e nos seus pais ao ouvir permanentemente isto e não com preocupação por eles, mas se as gémeas passaram à frente de alguém através de uma cunha ou se fulano ou sicrano já foi demitido? De forma mediática, pois as diligências processuais estão a ser feitas.

É verdade que não é muito edificante saber que basta ter os contactos certos para obter o que queremos no nosso país. Não é honorífico para um país, que alguns passem à frente de outros porque têm cunhas. Mas é necessária esta informação ad nauseam?

Há aqui um dilema moral óbvio, mas que ainda não foi endereçado pelos doutos escrutinadores. É verdade que está mal usar cunhas, mas não é pouco empático também estar sempre a falar nas “gémeas”? E os pais, as quais sofrem e não é pouco? Vi-os falar uma vez na RTP, mas já passado meses de lento suplício. Também Ricardo Araújo Pereira no “Isto é Gozar com quem trabalha” gozou e até fez músicas sobre as gémeas, mas gostava de saber, pois tem até duas filhas, se fossem as suas, fazia músicas e brincava assim? Ele que acha que se pode brincar com tudo? Não acho que se possa brincar com tudo e sobre as suas filhas ele de certeza que não brincava. Ou sobre o seu cão, por quem já vi que chorou.

Eu tenho duas filhas gémeas e a enorme sorte de que não enfrentem este problema horrível para a sua saúde. Imagino as gémeas de que se fala a tentar mover-se e em perigo, imagino os pais e a sua dor e logística intensa a lidar com isto. Eu já me vejo grego com duas saudáveis, imagino duas doentes. Soube-se que o casal já se divorciou. Não sei se por isto, mas há grande probabilidade de ter sido por isto. Não há coisa pior do que o sofrimento dos nossos filhos. Atenção comunicadores, políticos, não vale tudo. Estão a fazer o vosso trabalho em representação das pessoas, não para criar armas de arremesso político. A vida não tem preço. E para uma sociedade que se diz civilizada também não devia ter.

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Este é um medicamento caro de produzir, dizem os especialistas, o que só pode criar o efeito de passar esse custo para o paciente. É a empresa Novartis, a qual produz este medicamento Zolgensma, que divulgou o referido custo de produção? Tem este custo porquê? Custo de matérias-primas? Do processo de fabrico? Da distribuição? Para os Estados comparticiparem, que confirmação fazem a essa questão? Estão a dar os 2 milhões à empresa, com que escrutínio? Como se pode diminuir a lista de espera? Que organizações sociais existem para esta resposta social? Confesso que não estou dentro do assunto, mas como cidadão, gostava de ver debatido este tema e não apenas atirar sobre o Marcelo e companhia. Percebo a liberdade que as farmacêuticas devem ter para estabelecer os preços que entendem, segundo os critérios de custo e mercado que decidirem, mas também se deve ter atenção ao seu papel social. Em tempos, muitos ficaram chocados porque Mark Shkreli, um CEO de uma empresa farmacêutica, afirmou com assertividade e ironia que preços exorbitantes de medicamentos é algo de normal. Agora já ninguém protesta. A culpa é toda das cunhas.

Depende dos valores de que falamos. Este parece ser um problema sem resolução fácil e breve, eu sei, e não estou a dizer que tenho a solução mágica, mas um pouco mais de empatia e bom senso, caía bem. E as perguntas certas. Vamos ver como podemos tornar mais acessível este tipo de tratamentos? Quantos são? Quanto custam?

Fica então uma sugestão de nos colocarmos do lado da solução e não do problema. Que tal debatermos a questão? Que tal as nossas universidades e politécnicos de gestão dinamizarem debates sobre este tema? Convidarem farmacêuticas, Estado, organizações sociais, pais e outros intervenientes a debater o tema e a encontrar melhores soluções? Não é este um problema de gestão, com uma componente de missão social das organizações públicas e privadas? Com que reputação ficariam estas empresas se aproveitassem a atenção mediática em sem favor e viessem contribuir para o debate? Má não seria. Acabou-se o tempo em que as marcas emitem comunicações iguais, sem alma e sem qualquer autenticidade e transparência. Os produtos que as farmacêuticas criam com legítimo lucro entram em contacto com áreas sensíveis do ser humano, como é o sofrimento. A comunicação das suas soluções não pode ser como a das outras marcas.

Sustentabilidade é a moda das empresas hoje em dia, mas muitas vezes esquecemo-nos que a sustentabilidade não se limita à defesa do meio ambiente nem tão pouco emitir uns comunicados e ter umas políticas para inglês ver. A sustentabilidade gera à volta de três pilares: negócio, ambiente e social. Sem negócio não há produtos e soluções para as pessoas e para assegurar o seu futuro; mas sem ambiente também não há uma casa em que habitamos; sem o social, não há pessoas e comunidades, que é para quem as empresas e marcas trabalham.

Sei que os fins não justificam os meios, mas há que admitir, e fico ao lado do Presidente: é um fim nobre, e não parece beneficiá-lo pessoalmente ou ao filho. Ao contrário de tanta banditagem que não é escrutinada e demora anos a ser julgada.

Todo este ror de indignação não é mais que pura hipocrisia. Quem não aproveitou uma cunha, que atire a primeira pedra. A começar nas figuras públicas. Não estou a dizer que está bem, pois a cedência pode abrir precedentes, mas isto tudo é mais casinhos políticos e politiquice deprimente do que propostas de resolução futura e empatia pelas principais vítimas, as quais ainda não tiveram uma palavra de ninguém. Vão atrás dos criminosos verdadeiros. Corruptos, abusadores, etc. Sem penas suspensas e desculpabilizações. Vão atrás desses. E depois disso, sim, vamos mudar o nosso sistema que não é acessível de forma igual para todos, sem dúvida.

PS: declaração de interesses: o autor deste artigo não tem qualquer relação com empresas farmacêuticas, informação privilegiada ou interesse económico ou outro em alguma empresa neste setor. Está apenas a escrever um artigo de opinião como pai e cidadão, genuinamente à procura de soluções que possam acrescentar ao bem comum. Obrigado pela atenção de todos e espero ter contribuído.