Em plena campanha para as europeias, o Chega chegou agora à conclusão que Portugal precisa dos estados da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Chega bem, mas chega tarde. Bom, antes chegar tarde agora que nunca chegar àquilo que é a razão de existir de Portugal.

Podemos defender as políticas que quisermos, chamar a atenção para elas da forma que quisermos, mas, no compromisso que estabelecemos com a comunidade e os eleitores a estabilidade nas posições exige-se. É tanto o peso dos partidos e dos seus líderes que se exige responsabilidade na sua atuação. Essa responsabilidade divide-se em dois planos: a verdade e a coerência.

Ora, André Ventura foi frontalmente contra o Acordo de Mobilidade da CPLP. Ao contrário do Governo AD, que já anunciou que promoverá alterações ao mesmo, corrigindo  e suprindo algumas das suas deficiências, o Chega nunca esteve interessado em promover a mobilidade de cidadãos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Nos seus impulsos precoces, André Ventura bateu palmas à abertura do processo da Comissão Europeia – que mais não se funda num mero formalismo (o modelo documental que é atribuído ao título de residência àqueles que beneficiem do visto não corresponde ao molde europeu) e alarmou e gritou ao mundo que a teoria da substituição dos portugueses estava em curso.

Aliás, o CH defende expressamente a revogação deste acordo, ignorando não só os desafios demográficos que Portugal enfrenta, mas também a sua história, o seu dever no quadro da lusofonia e o potencial tremendo da CPLP. Tudo somado, a CPLP representa tão só a quarta maior zona económica do mundo e é espelho institucional da sexta língua mais falada no mundo (a terceira no hemisfério ocidental e a mais falada no hemisfério sul). Ignorar também que a língua é um dos principais fatores de integração social de qualquer comunidade imigrante.

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Esta posição, verdadeiramente anti-nacional, porque sendo anti-lusófona é contrária os interesses nacionais, está bem alinhada com a agenda da sua família europeia, “Identidade e Democracia”. A mesma agenda que promove uma visão sectária e etnocêntrica anti-imigração, que vê o estrangeiro como inimigo e que procura uniformizar as políticas de imigração de todos os Estados Membros da União Europeia, submetendo-as às ansiedades e especificidades da Europa Central (com Alemanha e França à cabeça).

Seguindo submissamente as diretivas dos seus patrões europeus, Ventura foi mesmo o único líder político contra o aprofundamento da CPLP.

No entanto, se o partido tivesse ficado por aqui, pelo menos manteria a virtude da coerência. Hoje, ao lado do conspiracionista António Tânger Corrêa, Ventura surge – e consegue fazê-lo sem se rir – a dizer que defende que os problemas de falta de mão-de-obra se solucionam “priorizando a imigração de língua portuguesa, e da nossa matriz cultural”. Para os seus parceiros europeus, rejeita o aprofundamento com a CPLP; fora do seu olhar, defende mecanismos que implicam esse aprofundamento. Em que ficamos?

Não é novidade que o Chega defende tudo e o seu contrário ao sabor do vento. Foi assim quanto a políticas de aliança e governação (com a coligação negativa que estabeleceu com o PS). Será assim também quanto a políticas de imigração e visão europeia.

A falta de coerência ou bom-senso na política não se punem nos tribunais, punem-se com o voto. Os gritos de patriotismo do Chega podem ter muitos decibéis, mas têm origem na garganta de quem não sabe o que é Portugal e é patriota por coincidência dos astros. Dia 9 de junho, a bola é devolvida aos portugueses para que escolha quem, na Europa, saiba falar a sua língua.