Já na iminência da sua partida para férias, fui-me encontrar com o Cónego Jeremias, de quem quis saber a opinião sobre a polémica inauguração dos Jogos  Olímpicos de Paris.

– Então, Senhor Cónego, que me diz da abertura dos Jogos Olímpicos de Paris?

– Uma vergonha, não apenas para a França, mas também para o olimpismo! Um espectáculo absolutamente degradante e decadente!

– Acha que a culpa é dos organizadores de Paris 2024?

– Com certeza, mas também do Estado francês, que é, em última instância, o responsável por este espectáculo mundial, em que se fez uma ofensa directa a Jesus Cristo.

– A Santa Sé acabou por reagir, uma semana depois.

– O comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé não só pecou por tardio, como também por não ser assinado pelo Papa, nem pelo Cardeal Secretário de Estado. Deplora “a ofensa causada a muitos cristãos e crentes de outras religiões”, sem mencionar que a principal vítima daquela farsa blasfema, termo que também não usa, é o próprio Jesus Cristo, realmente presente na Sagrada Eucaristia. Segundo o comunicado, “num acontecimento de tanto prestígio, em que o mundo inteiro se une à volta de valores comuns, não deveria haver alusões que ridicularizem as convicções religiosas de muitas pessoas.” Não questiona a liberdade de expressão, mas recorda que a mesma “tem o seu limite no respeito pelos outros”.    

– E que lhe pareceu o comunicado da Conferência Episcopal Francesa (CEF)?

– Também muito politicamente correcto, como quem quer agradar a Deus e ao diabo. Jesus disse: “Seja o vosso falar: sim, sim; não, não. Tudo o que disto passa procede do maligno” (Mt 5,37).

– E as outras Conferências Episcopais?

– Embora não tenham faltado protestos dos representantes de outras religiões, islâmicos incluídos, o episcopado mundial não se manifestou, salvo algumas honrosas excepções, como a Conferência Episcopal do Cazaquistão, que promoveu um acto de reparação por aquela paródia à Última Ceia. Numa Igreja sinodal, seria de esperar que todas as conferências episcopais reagissem, em união com o Santo Padre e a CEF. 

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– Que atitude deveriam tomar os atletas católicos?

– Foi bonito ver o ortodoxo Novak Djokovic, medalha de ouro no ténis, mostrar, ostensivamente, o pequeno crucifixo que usa ao peito. Este, pelo menos, não tem medo de se assumir, publicamente, como cristão. Teria sido bom que todos os atletas cristãos se tivessem manifestado também, até porque há muitas formas de o fazer.

– Quer exemplificar?

– Jesse Owens, nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, ao subir ao pódio fez um gesto de repúdio do racismo, criticando o regime nazi, então no poder. Consta até que Hitler, por ter sido um norte-americano, de origem africana, a ganhar a prova, recusou-se a entregar-lhe a medalha. Agora, são os cristãos que são perseguidos.

– Mas os desportistas que usarem ostensivamente símbolos religiosos não correm o risco de ser eliminados das provas?

– Não se trata de dar um carácter religioso à competição, que não é, nem deve ser, nenhuma procissão, mas também não deixar de manifestar, com naturalidade, a própria fé. No excelente filme Chariots of Fire, sobre as Olimpíadas de Paris, em 1924, há precisamente um século, um atleta britânico evangélico pôs em causa, por um motivo de consciência, a sua participação numa prova ao domingo. Para um católico, esse problema não existe, mas há casos em que pode e deve recusar-se a participar.

– Quer dar algum exemplo?

– Estou a pensar naquela vergonhosa cena em que a pugilista italiana Angela Carini foi barbaramente agredida pela pessoa que dá pelo nome Imane Kheli. Se o Comité Olímpico Internacional não impede esse tipo de combates desiguais, que são profundamente antidesportivos e imorais, faz todo o sentido que os atletas, por uma questão de consciência e da mais elementar justiça, se recusem a competir.

– E os fiéis que não participam nos Jogos Olímpicos?

– Vivemos numa sociedade onde há relativa liberdade de expressão. É verdade que os grandes grupos económicos controlam os media e que também há censura nas redes sociais, mas é importante que os leigos católicos se façam ouvir.

– Como no verão quente de 1975?

– Por exemplo! Foi preciso que muitos cristãos, sobretudo no norte do país, se levantassem contra a ditadura comunista ou, como então se dizia, social-fascista, para que hoje pudéssemos viver em liberdade. 

– Mesmo recorrendo à violência?

– De modo nenhum: a violência nunca é solução para nada! Mas os cristãos também não se podem habituar a ver troçada a sua fé todos os dias … Têm de reagir, mas sempre por meios legítimos e proporcionais, ou seja, não violentos. Repare: as questões climáticas são discutíveis, mas há quem vocifere, feche estradas e escolas, atire tinta, etc. Mas, quando Jesus Cristo é parodiado, ninguém faz nada! Pelo menos que haja manifestações, protestos, graffitis, abaixo-assinados, boicotes económicos, etc.

– Há cinquenta anos atrás, até se chegaram a incendiar sedes do PCP …

– A esse propósito, deixe-me que lhe conte uma história que, obviamente, não é verdadeira, mas que tem graça. No verão quente de 1975, um jovem perguntava a um padre se era pecado incendiar uma sede comunista e esse meu ultramontano colega, não querendo perder os préstimos do rapaz, respondia-lhe: ‘Meu filho, os pecados primeiro fazem-se e só depois é que se confessam!’. 

Claro que isto não aconteceu, nem nunca podia ter acontecido, mas os cristãos têm direito à legítima defesa e já vai sendo hora de que se defendam e lutem pela dignidade humana e pela liberdade, ou seja, pelos valores da civilização cristã e contra os totalitarismos fascistas, comunistas, de género, etc.