“O binómio de Newton é tão belo quanto a Vénus de Milo. / O que há é pouca gente para dar por isso“. Estes dois versos compõem o mais curto dos poemas da eclética obra de Fernando Pessoa, que o inspirou a Álvaro de Campos, engenheiro naval de formação e um dos seus mais importantes heterónimos. Não obstante a magia das palavras na língua portuguesa que O caracteriza, esta citação, para o efeito em vista, afigura-se mais impactante, fracturante, se se recorrer à sua tradução para espanhol: “El binomio de Newton es tan hermoso como la Venus de Milo. / Lastima que poca gente se da cuenta”. Retrovertendo, “O binómio de Newton é tão belo quanto a Vénus de Milo. / Lastimavelmente, pouca gente se dá conta“.
A substituição na retroversão de “O binómio de Newton” por “O Controlo de Gestão” resulta na perfeição, no tangente ao ‘estado da arte’ no nosso País.
No plano teórico-conceptual, é absolutamente incrível a iliteracia reinante numa área da Gestão das organizações, empresariais ou não, cuja ‘carta de alforria’ imposta à área de Finanças, há mais de 40 anos, determinou o kick-off do processo de cristalização do conhecimento, sob forma escrita, no panorama científico anglo-saxónico.
No plano aplicacional, a conotação psico-socialmente ‘incorrecta’ da palavra ‘Controlo’, decorrente, em derradeira análise, da componente alucinatória da percepção que a associa a ‘vigilância’, ‘fiscalização’ ou, até mesmo, ‘limitação de liberdades’, determina a relutância instintiva ao conceito.
O subsequente pavor da invasão de áreas de conforto promove o reducionismo do actual entendimento do Controlo nas instituições ao vetusto Controlo Orçamental de matriz retrospectiva, recolhido no ambiente ‘tranquilo’ da área financeira, onde a putativa ‘análise de desvios’ não é mais que a mera decomposição e quantificação das diversas componentes das variações entre Orçamento e Real, fornecendo resposta, virtualmente, a todos os ‘quantos’ questionados mas sem resposta para os incontornáveis ‘porquês’ subjacentes.
Esta incapacidade de resposta, muitas vezes, frustra expectativas, o que determina a remissão do Controlo de Gestão, então reduzido a ‘Controlo Orçamental’, para uma dimensão meramente administrativa e absolutamente inócua no tangente à avaliação da performance de Pessoas e Unidades Orgânicas (como, amiúde lamentavelmente, afinal se pretende).
Eppur si muove…
Basta que atentemos nas nossas atitudes no domínio pessoal. Compramos um novo automóvel, sugestionados pelo baixo consumo de combustível anunciado e, desde logo, pretendemos averiguá-lo. Instalamos no jardim um novo sistema de rega gota-a-gota e, de imediato, nos apressamos a conferir a factura da água… Desde sempre, é nosso atributo como pais diligentes, avaliar o desempenho escolar dos filhos…
Ora, todas estas acções – averiguar, conferir, avaliar – enformam uma atitude contínua de ‘controlo’ que nos auto-impomos.
Porquê? Porque consideramos crítico o conhecimento obtido com um objectivo de melhoria. Consumir menos combustível para gastar menos e reduzir o impacto ambiental, não delapidar o recurso precioso em que consiste a água, contribuir para formação de uma cultura de exigência e auto-superação dos nossos filhos, absolutamente crítica no ambiente competitivo actual…
Ou seja, o controlo não é um fim em si mesmo: é uma atitude com a qual visamos saber e melhorar
No domínio empresarial, controlo de gestão é uma actividade que assume como objectivo a obtenção de conhecimento, a partir do reconhecimento da evolução da realidade face ao esperado, para a melhoria da performance, enquanto factor crítico de sustentabilidade!
É por isso que o controlo de gestão consiste, atualmente, no curto e médio prazos, num importante driver de criação de valor e, a longo prazo, numa não menos importante alavanca de transformação de comportamentos e cultura organizacional!
‘Lastima que poca gente se da cuenta’…
Nota: O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.