1 A passagem não podia ser fácil, nunca apetece abrir portas incertas e 2022 além de incerto é imprevisível. Não é a mesma coisa, o que amplia o pessimismo e a mochila já vinha suficientemente carregada. Talvez por isso tenhamos acreditado aqui há uns meses e mesmo que por breves momentos, que a vida voltaria ao que era para nos darmos conta da armadilha: o inimigo voltara com nova cara de outro nome. E apesar de muito mais habilitados hoje a tourear quer os vírus quer excesso de limitações, proibições, contradições das autoridade, de quantas mais doses de vacinas vamos precisar mais?

Um caso muito mais que sanitário: talvez nunca nenhum polvo tenha tido tantos braços ,a fazer tantos estragos, de tão variada natureza.

2 É preciso ser claro e se possível decente: a pandemia não explica tudo nem redime tudo. Não subestimo a gravidade que a Covid já representou, a perturbação que causou aos governantes, a preocupação que volta a suscitar. A governação é que saiu pouco de trás desse biombo. Uma espécie de álibi quando o andar político e institucional da carruagem de 2021 convence pouco e anima menos. Assim de repente, num Portugal cada vez mais empobrecido e envelhecido: uma dissolução apressada e talvez inútil do parlamento; o atraso indecoroso em arredar de vez Eduardo Cabrita da vista do país; os (erradicáveis?) erros e omissões da Justiça, num universo que parece infectado de alto abaixo com o que nos mostra, por capítulos; a Educação aos tombos e solavancos com o que lhe compete e não cumpre – falta de professores, computadores que não chegam, avanços e recuos de datas e calendários, penalizando e confundido; os “surtos” de incapacidade das autoridades de Saúde para prevenir em vez de remediar; as doenças que vão ficando por tratar, os cachos de demissões das direcções hospitalares; as Forças Armadas enroladas em embaraçantes questões que não deviam nunca ter chegado a sê-lo; não se percebendo aliás com a suficiente clareza o gesto de assentimento do Chefe de Estado e Comandante Supremo não evitando o vexatório – grave, batoteiro e feio – despedimento antecipado de Mendes Calado, apesar das reticências que antes publicamente manifestara

A despedida de 2021 deixa um amargo de boca e uma ameaça velada: e se nada mudar no dia 30 de Janeiro? Ou se mudar tão incipientemente que logo antecipemos que não pode senão haver um remake destas eleições daqui a dois anos?

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Alterar nunca foi o mesmo que mudar.

3 Ou se torna Portugal prioritário na “agenda” ou não se torna. Não conheço outro critério para avaliar da bondade de um projecto político nacional. O que é outra maneira de perguntar quem vai, sim ou não, pôr de uma vez por todas o país a crescer, adubando a economia e revitalizando o tecido empresarial? Quem será capaz, contra ventos e marés que logo se agitarão de emagrecer drasticamente o Estado?

Face ao dramático envelhecimento da população quem está disposto a fazer o impossível para que o país assegure fins de vida dignos aos portugueses que trabalharam toda vida, quando chegarem à reforma? Como vir a pagar uma conta que só crescerá na razão inversa dos pagantes?

Fala-se muito da inflação que aí está (e Portugal já é o campeão da Europa na perda do poder de compra), da divida pública, dos efeitos da pandemia nas economias e nas sociedades, da incerteza dos dias. Chora-se esse caminho minado mas não parece haver candidatos satisfatórios para trocar o queixume pela vontade política. A pergunta é: alguém se olha como agente político desta mudança de paradigma, arredando o país dos humilhantes últimos lugares europeus da escala do desenvolvimento económico e social? Há mais portugueses disponíveis para tomar parte activa e efectiva na empreitada ou são muito mais os que preferem uma cepa torta paga pelo Estado?

Quem numa palavra se aflige com o declínio?

Não há maior imprevisibilidade que isto.